Elementos essenciais à fala de improviso

Temos lido e visto, em livros e palestras sobre oratória, argumentações favoráveis e recomendações genéricas à fala de improviso como forma superior de comunicação com auditórios. Citam esses autores e palestrantes a sensação de “espontaneidade” e “naturalidade” que o orador transmitiria à plateia em oposição aos supostos “artificialismo” e “rigidez” do discurso lido ou preparado. O que pensar sobre esse tema?

O prof. Reinaldo Polito, em seu livro “Como falar corretamente e sem inibições”, menciona uma série de fatores que identifica como “elementos essenciais para a improvisação1 ao falar em público. Vejamos quais são esses elementos, desenvolvendo-os conceitualmente em busca de justificar porque devem ser considerados essenciais.

1 – Cultura

A formação cultural do orador pode ser descrita como o conjunto de informações presentes em sua cultura sobre as quais ele pode discorrer confiantemente quanto a sua correção, precisão e adequação. Quanto maior for a abrangência da informação cultural à disposição do orador, mais recursos ele terá para compor argumentos, analogias, metáforas, símbolos e exemplos ilustrativos em sua fala. Quanto menor, mais difícil será para ele a descoberta instantânea de um caminho para sua fala de improviso.

A informação cultural útil para a fala de improviso pode incluir, entre outros elementos: conhecimento científico, estatísticas, obras literárias clássicas e populares, filmes e seriados, obras de arte visual (pintura, escultura, arquitetura, etc), fatos históricos, notícias recentes, obras filosóficas, histórias míticas, lendas populares.

Porém, não podemos deixar de incluir, neste campo da “formação cultural” do orador, sua própria experiência como indivíduo em sua cultura. O testemunho de suas experiências em viagens, em interações com outras pessoas e em sua própria história pessoal também integram sua “formação cultural” de um modo muito interessante e atraente para a maioria das plateias.

2 – Automatismo da fala

O treino das técnicas retóricas e a prática constante da fala em público inevitavelmente tornam automático o ato de falar com clareza, expondo o raciocínio e a persuasão de modo coerente e claro, permitindo a composição de um discurso de improviso tão eficiente quanto se fosse meticulosamente planejado. No mínimo, o orador de improviso poderá responder, de forma rápida e objetiva, a uma demanda de fala de improviso sem atrapalhar-se na exposição, nem confundir o auditório.

3 – Vocabulário pronto

A riqueza do vocabulário é o maior tesouro do orador, pois ele terá à sua disposição a palavra certa, adequada, precisa, para dar forma a seu pensamento. Um orador com rico vocabulário jamais hesitará ao escolher as palavras que dirá; jamais terá necessidade de pontuar seu discurso com “é…”, “ahm…” e “né…”, esses pequenos grunhidos desprovidos de significado emitidos por aqueles cuja arca de palavras não contém mais do que aqueles termos de uso cotidiano que, usados para tudo, nada mais significam.

4 – Presença de espírito

Por “presença de espírito” entendemos a habilidade de compreender instantaneamente qual é o contexto em que estamos e qual deve ser a mensagem mais adequada à situação. A atenção ao ambiente e ao contexto em que se encontra é a qualidade mais essencial ao orador; é da sua atenção às pessoas e às situações, mais do que das coisas que planejava dizer, que o orador encontrará a inspiração para dizer o que público necessita ouvir.

5 – Capacidade de observação

Como dissemos, no artigo “Quais são as habilidades necessárias ao ensino de Ciências para crianças e jovens?”: “Intuitivamente, todos percebemos que ‘observar’ é muito mais do que simplesmente ‘olhar’ ou ‘ver’: trata-se de aprender a ‘olhar com método’ com o objetivo de ‘entender o que vê’”.

A diferença fundamental é, portanto, que a observação consiste em “olhar atentamente em busca de entender” o que é uma coisa, o que está acontecendo, porque acontece daquele modo e não de outro. O bom orador é um observador constante de sua cultura, dos ambientes que frequenta e do comportamento humano nesses ambientes. É justamente de sua capacidade de observação que advém a sua “presença de espírito” e sua capacidade de produzir ricas analogias para esclarecer a todo auditório os pontos mais difíceis ou obscuros das ideias que deseja apresentar. Num discurso de improviso, sua capacidade de observação trará à sua exposição, os fatos e argumentos de que precisa para causar impacto positivo sobre sua plateia.

6 – Memória

Deveria envergonhar-se todo orador que enuncia uma frase como “Algum tempo atrás, li num livro, cujo título e autor não me recordo, uma frase que dizia alguma coisa mais ou menos assim…”, pois a plateia imediatamente perderá toda a confiança em seja qual for a informação provinda de uma memória tão enfraquecida.

O mesmo princípio é válido para toda e qualquer informação, seja qual for a sua origem, que você mencione em seu discurso. Quanto mais detalhes você tiver disponível em sua memória, mais confiável se configurará o seu discurso aos olhos do auditório. Assim, numa exposição de improviso, limite-se a expor apenas os fatos e citações cujos detalhes tiver bastante vívidos na memória.

7 – Confiança

Falamos aqui da confiança no seu treinamento e experiência como orador, na sua memória, na sua capacidade de observação, na sua formação cultural, enfim, em todos os elementos supramencionados. Se você realmente dispõe de todos esses elementos em níveis ótimos, sempre será capaz de dizer com sucesso algumas palavras improvisadas, ainda que rapidamente, em praticamente quaisquer situações em que se encontre.

Entretanto, cuide para que sua confiança se baseie em fatos, não em autoilusão, ou a arrogância desta resultante celeremente providenciará para deixá-lo em maus lençóis.

8 – Coragem

Definimos “coragem” como a disposição para fazer o que é preciso, ainda que o ato envolva algum risco, ainda que em presença do medo. Observe que se trata de “fazer o que é preciso”, não de “fazer pelo desejo de autoexibição” ou “fazer por autoafirmação”. Ou seja, ter coragem é fazer o que se exige de você, por uma motivação maior do que apenas afagar a própria vaidade diante de uma plateia.

A coragem é a companheira constante do orador. Ele assume o risco de falar em nome de uma ideia, de um projeto ou de uma organização, diante de um grupo de pessoas, muitas das quais poderão ser desconhecidas para ele.

Quando a demanda for por um discurso de improviso, o risco e, consequentemente, a presença da coragem, será ainda maior.

Para desenvolver a coragem, o orador deve aprender a aceitar a presença do medo como um companheiro inevitável, e não como um inimigo ameaçador. Ao contrário: quando o orador entender o medo como um amigo que o ajudará a manter sua atenção e concentração na escolha de imagens e palavras, ele terá desenvolvido a coragem perfeita, que garantirá o seu sucesso mesmo nas situações mais temíveis.

Conclusão

A fala de improviso exige do orador, segundo o prof. Reinaldo Polito, cultura, automatismo da fala, vocabulário pronto, presença de espírito, capacidade de observação, memória, confiança e coragem. Não é, portanto, técnica que se exija de uma pessoa muito jovem, inexperiente ou com insuficiente treinamento. Mesmo para oradores experientes e bem treinados, representa um risco muitas vezes desnecessário. Sempre que possível, a melhor opção é pelo discurso preparado ou pelo discurso escrito. Estas modalidades têm a vantagem de não excluir a possibilidade de improvisação e espontaneidade, ao mesmo tempo em que eliminam todos os riscos inerentes à pura improvisação.

1POLITO, Reinaldo. Como falar corretamente e sem inibições. São Paulo: Saraiva, 1987, 14ª edição, p. 171.

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