Foi em meados de 2013 que despertamos para a necessidade de fazer do nosso lar um convite para a vida intelectual familiar. Começamos a passos pequenos, cuidando primeiro do fundamental: alfabetizar nossos filhos e fazê-los descobrir o amor pela leitura. Naquele primeiro momento, ainda reagíamos à falta de qualidade da educação escolar, mas eu sabia que algo precisaria ser alterado. Não bastava corrigir os erros perpetuados por um sistema educacional deficiente; era preciso fazer o certo, encontrar a via correta para o conhecimento. Investi de três a quatro meses para perscrutar filosofias educacionais mais eficazes do que as que eram oferecidas por nossas instituições de ensino.
Foi assim meu primeiro contato com a Educação Clássica. Comecei a acompanhar famílias, em diferentes lugares do mundo, que se beneficiavam desta filosofia de educação, os desafios que enfrentavam, as leituras que faziam, os frutos que colhiam. Era um campo vasto e belo que eu ainda precisava percorrer. Eu mesma não havia recebido este modelo de educação; então, como proporcioná-la aos meus filhos? Compreendi que meu papel seria o de uma estudante mais experiente, e que, durante todo o processo, precisaria me esforçar para apreender e crescer em conhecimento junto com eles.
Fiquei extasiada ao observar um grupo de mães americanas que, semanalmente, se reuniam para debater sobre leituras de textos filosóficos e literários. Essas mães também publicavam semanalmente, em seus blogs, resenhas e ensaios sobre seus estudos. Eu queria muito adquirir essa capacidade. Eu desejava viver isso intensamente.
O primeiro passo, foi visualizar onde eu mesma gostaria de estar em cinco anos. Quais conhecimentos e quais habilidades gostaria de ter aprimorado ao longo do caminho? No início, não foi fácil, pois eu ainda não conhecia outras mães educadoras brasileiras com o mesmo desejo de seguir essa árdua trilha. Iniciei o meu “mapa da ignorância“, que era assustadoramente extenso. Mesmo já tendo estudado centenas de obras — nossa biblioteca familiar, em dez anos, aumentou consideravelmente —, quanto mais estudamos, maior é a nossa compreensão do quanto ainda ignoramos e melhor podemos definir quais assuntos devemos priorizar.
Passado os cinco primeiros anos, pude olhar para trás e observar que havia percorrido um longo caminho, indo até mais longe do que inicialmente acreditava ser possível. Nesta fase, meus filhos mais velhos já haviam adquirido várias habilidades autodidatas, e o meu caçula começaria em breve sua alfabetização. Seus irmãos poderiam também auxiliá-lo neste processo. Sim, nós ensinamos pelo exemplo! É por esse motivo também que, desde 2013, compartilho nossa jornada intelectual neste blog: para ser fonte de inspiração para outras famílias. Aqui, procuro registrar o que e como estudamos, que soluções encontramos, quais foram os meios, as leituras, os frutos. Muitas foram as famílias educadoras que se beneficiaram desta partilha e, esperamos que outras tantas possam também, pelo exemplo compartilhado, encontrar o seu próprio rumo para o crescimento intelectual de seus filhos.
Algumas pessoas comentam que não se sentem capazes de produzir frutos semelhantes em sua família, se assustam com a intensidade em que vivemos nossa vida intelectual. Mas o fato é que devemos dar um passo de cada vez, principalmente se você estiver iniciando essa jornada. É importante saber aonde você deseja chegar, em quanto tempo, e o que é necessário para realizar esse objetivo. Planejar o seu ano de estudos familiares é essencial para harmonizar a sua jornada de aprendizagem. Se quiser saber mais sobre como fazer, envie uma mensagem.
Retrospectiva de 2024
O ano de 2024 foi, sem dúvida, memorável em nossa história familiar: compartilhamos experiências que ficarão gravadas para sempre em nossos corações.
No âmbito intelectual, Raphael, em seus 8 anos de vida, tem demonstrado habilidades de aprendizado cada vez mais autodidatas. Diariamente, separa seus livros e cadernos, faz suas leituras e ao terminar, me entrega seus exercícios para correção. Atento a tudo que acontece em casa, muitas vezes faz perguntas com teor filosófico profundo. Adora estudar Latim! Diverte-se criando frases e expressões para provocar os irmãos mais velhos. Seu vocabulário, em Língua Portuguesa, acima da média para as crianças da sua idade, a todos impressiona. Também no jiu-jitsu tem demonstrado cada vez mais capacidade técnica e disciplina. Gosta de regras bem definidas, é criativo e adora expressar seus pensamentos desenhando. De todos os meus filhos, é o que aprende por observação com maior facilidade.
Michael, em abril deste ano, foi Campeão Brasileiro em jiu-jitsu pela IBJJF e, ao longo do ano, conquistou também em outros campeonatos mais duas medalhas de ouro e uma de prata. Tem se dedicado também, com muita diligência, à vida intelectual. Além dos estudos familiares, participa, junto comigo, do grupo de formação de professores em Humanidades (Educação Clássica), ministrado pelo professor Lucas Fonseca.
Para coroar o primeiro ano de formação, em novembro deste ano, fizemos um curso presencial intensivo no interior do Estado de São Paulo no qual tivemos a oportunidade de estudar textos selecionados de São Boaventura, Nicômaco, Platão, Virgílio, Homero, Camões, Ptolomeu, Copérnico. Em paralelo, Michael e eu também concluímos a primeira etapa dos estudos sobre a Divina Comédia — Inferno de Dante —, curso este também ministrado pelo professor Lucas Fonseca. Ele iniciou uma nova fase nos estudos de Latim, acompanhando o curso online do professor Ian Pompeu. Observar o brilho no seu olhar ao término das aulas é gratificante!
Martin, com 18 anos, dedica-se diariamente aos estudos em família e ao Jiu-Jitsu. Se dedicou com afinco aos Estudos Clássicos da “Eneida”, de Virgílio, e das “Metamorfoses”, de Ovídio. Tem se aplicado também a aprender todos os passos de um projeto editorial: seleção da obra, revisão de textos, diagramação de livros. Com coração imenso, auxilia a todos na organização do lar e nos cuidados com o irmão caçula. Em nossa última viagem, no curso presencial no interior de São Paulo, auxiliou a todos no cuidado com os menores — ele ama brincar com crianças! — e acompanhou algumas de nossas aulas. Sua facilidade em fazer amigos e conversar, tornam-no benquisto aonde quer que vá.
Meu esposo, Alexei, tem se dedicado a formação intelectual de crianças e jovens, ministrando aulas particulares de Língua Inglesa, Matemática, Lógica, Gramática, Composição Clássica e Retórica. Seu conhecimento é vasto, tem uma capacidade única de facilitar o entendimento dos conceitos mais complexos, fazendo com que seus alunos tenham uma compreensão aprofundada dos assuntos estudados. Nos últimos anos, Alexei e eu compartilhamos nossa experiência fornecendo cursos de introdução a Educação Clássica para professores católicos. Este é um trabalho necessário, demorado, por exigir um profundo comprometimento do educador em se dispor continuamente a crescer intelectualmente.
Compreendemos a vida intelectual como a nossa vocação, ou seja, o chamado de Deus em nossas vidas. E, por isso tudo, só temos a agradecer.