Resenha do ensaio “As ferramentas perdidas da aprendizagem” de Dorothy Sayers

Dorothy Sayers, escritora, reconhecida como estudiosa do medievo além de tradutora e comentadora da “Divina Comédia”, num ensaio intitulado “As Ferramentas Perdidas da Aprendizagem” apresentado na Universidade de Oxford em 1947, propõe aos educadores ingleses a adoção de uma versão modificada da educação medieval. Seu ensaio é estruturado em três partes principais: “Proêmio”, “Proposta de solução”, e “Defesa final do Trivium”.

No proêmio, ou prólogo, Dorothy Sayers analisa o estado da educação atual expondo o modo como as pessoas teriam extrema dificuldade de se ater à questão discutida, de definir os seus termos e de distinguir o fato da opinião e, o provado, do plausível. Ressalta também o fato de que muitos jovens, após deixar a escola, não reteriam na memória o que aprenderam. Ela propõe que a causa desse problema é o fato de que os jovens aprendem muitos assuntos diferentes, de forma superficial, pouco ou nada retendo na memória.

“Rose Window” simbolizando as Artes Liberais na visão Católica do Christendom College

Em sequência, a autora expõe como era o programa educacional medieval baseado nas Artes do Trivium e Quadrivium. Ela propõe como solução uma adaptação do Trivium que, em sua concepção, seriam as artes pertinentes à desenvolução do pensamento. Segundo a autora, na época em que vivemos, seria necessário “armar” nossos jovens com ferramentas para seu desenvolvimento intelectual. Para tanto, ela propõe a criação de três fases de aprendizagem: “Papagaio”, “Arrojada” e “Poética”.

Na fase do “Papagaio”, Sayers enfatiza a importância da Arte da Gramática, que incluiria o aprendizado da Língua Latina, cujo estudo, segundo a autora, expunge o enredamento ao aprender qualquer outra matéria em pelo menos cinquenta por cento. A autora salienta a importância do progresso nas habilidades de observação e memorização em todas as disciplinas. Por exemplo, no estudo da Teologia, a memorização dos principais fatos históricos da Bíblia, dos Dez Mandamentos, das orações do Credo e Pai Nosso; em História, na memorização das principais datas e eventos históricos; na Literatura, memorização e recitação em verso e prosa. Notemos que, para a autora, a memorização é mais importante, nessa fase, do que um entendimento aprofundado do assunto estudado.

Em seguida, Dorothy Sayers discorre sobre a “Fase Arrojada”, isto é, o período em que a criança começaria a raciocinar sobre as questões discutidas. Enquanto, na primeira fase, predominariam as habilidades de observação e de memorização, nesta fase sobrelevar-se-ia o que ela chama de “razão discursiva”. Assim, no estudo da Linguagem, dever-se-ia conferir maior ênfase à sintaxe e à estrutura lógica do texto; em Geografia, História e Ciências, à conexão de ideias, fatos e suas consequências, à análise ética e moral das matérias estudadas, à detecção de falácias e erros argumentativos, à pesquisa de livros de referência com conteúdo mais aprofundado.

Na Fase Poética, os alunos estariam preparados para a Arte da Retórica. A autora recomenda uma certa flexibilidade no currículo, permitindo que o estudante se especialize em alguns temas, enquanto os demais seriam estudados como objetivos secundários.

Em sua última apologia do Trivium, a autora afirma que o retorno à educação clássica proporcionaria o correto desenvolvimento da inteligência, tornando os estudantes capazes de aprender novos assuntos por conta própria.

A Gramática, na educação medieval, era compreendida como o estudo da literatura de um idioma, no qual incluía-se o estudo do estilo, da análise gramatical, das analogias e figuras de linguagem apresentadas num texto literário. Desta forma, parece-me uma interpretação simplória a ideia de que, numa fase gramatical, deva-se priorizar a memorização e a recitação sem necessidade propriamente de uma compreensão do conteúdo estudado. Por experiência pessoal, desde cedo fui incitado a apreciar belos textos em Língua Portuguesa, a discernir o sentido exato dos termos usados pelo autor e a pesquisar as referências culturais que eu não conhecia, para melhor degustar sua beleza. O mesmo fazia para os textos estudados em qualquer outra disciplina. Nesse sentido, acredito que uma criança, a partir dos sete anos, já pode ser ensinada a desenvolver corretamente a fluência de leitura, ainda que de um pequeno poema.

É urgente e necessária a recuperação do domínio da linguagem, de uma educação que priorize a excelência do aprendizado, o desenvolvimento cognitivo. Por injunções do Destino, tive o infortúnio de frequentar por cerca de sete meses uma escola dita “católica”. O que presenciei foi um ambiente desvirtuado, inadequado para a manutenção de uma conversa inteligente e civilizada, fosse entre pares ou entre discípulo e professor. O que me salvou do naufrágio foi ter levado comigo meu fiel companheiro de viagem, os escritos de Shakespeare, durante os intervalos. E, nesse ponto, faço-me de acordo com as palavras de Dorothy Sayers: voltemos à educação medieval!

Fonte:
SAYERS, Dorothy. As ferramentas perdidas da aprendizagem. kirion.
Imagem ilustrativa: https://chapel.christendom.edu/2018/02/02/illuminated-by-the-liberal-arts/