O Gato, o Rato e o Peixe

O Gato sonha com o gordo Rato,
O Rato sonha espancar o Gato.
O Gato sonha com o fresco Peixe,
O Peixe sonha que no mar lhe deixe.

O Gato sonha com filé no prato,
Roubar-lhe sonha o desgostoso Rato.
O Gato sonha do Peixe o aroma,
O Peixe sonha que ele não lhe coma.

Gato, Rato, Peixe, à espera
Do fim na grande cratera:
Sonhos de infindas delícias!

Predadores, presas, todos toleram
À sua moda a violenta e austera
Natureza, a vida e suas sevícias.

Corações

Corações translacionantes as trigueiras faces
Emudecem.
Os rostos estranhos estando tão baços
Enrubescem.
Os róseos roçares das redes neuronais
Entrelaçam.
Sutis e táteis contatos furtivos, intencionais,
Espicaçam.
Sinais e sintomas sintáticos e sinápticos
Estremecem.
Braços enlaces sobejos contatos
Enternecem.

A Vida – Guilherme Munhoz Haveroth

Campo aberto, noite estrelada
Põe-se a pensar o velho
Homem.

No grande mundo,
Entre rosas e narcisos,
Veio tu, ó belo lírio, a
Essa dança desgostosa.

Já não sabes ao certo,
Por ter a via deixado,
O que irás ganhar,
A palma da vitória
Ou o fogo da derrota.

Ó lírio, que fazes?
Sonhas ainda com um
Mundo de glória?
Acorda bela flor, estás secando,
Logo te levará o sopro
Do vento.

Acorda agora!
Para de sonhar!
É o tempo oportuno,
É tempo de lutar.

Autor: Guilherme Munhoz Haveroth, 13 anos.

O canto da Forma

A harmonia de curvilíneas
Retas e oblíquos ângulos
Acutângulos
E plúmbeas plumas –
Entalhes engastados em
Diáfanas colunas –
Projetam translúcidas
Feéricas túrgidas umbras
Solares sobre o soalho
Marmóreo, níveo,
Da alma poética.

Encanto e dor,
Melíflua molícia
Vergasta-me a vida!

No esquadro delineio
Em lácteo deleite
Alitero delírios
Rimo os meus rumos.

Porém o propósito,
O úmido sentimento,
O encanto do acorde,
A melíflua melodia;
Nenhures achega
A fátua forma:
Eco oco de um nada que se desfaz.

A Guerra dos Aletômanos

De mitômanos arrodeados –
Qual de gregos os muros de Troia –
Fustigados por todos os lados,
Impenetráveis à paranoia:
Os aletômanos e aletófilos
Forjam espadas dos argumentos
Contra os sofismas mais estrambólicos
Qu’em cavalgada parem tormentos.

À carga! Velhacarias e memes,
Chovem setas, dardos de fake news*:
Nenhuma patifaria temem
Os que à Verdade encaram nus!
Aríetes humanos deveras
Remartelamos com nossos cérebros
O que se olvidaram nestas terras
Os que fazem da Razão um féretro!

Contra as massas de mentes estultas
Embebidas da mentira o heléboro
Nossas palavras são catapultas
O elixir que as salvará do Érebo!
Mas como a Verdade menoscabam,
E a toda Ciência prostituem,
E a toda Razão já destroçaram,
E toda malvadeza instituem,

Não há perspectiva de paz
Em qualquer direção no horizonte
Porquanto um bombardeio de “mas” –
Óbolos à bolsa de Caronte! –
Escudará os peitos refratários
À oferta de luzes do Ocidente:
Cedem suas almas aos sicários
Do vírus pulmonar do Oriente.


* Pronuncie “feicnuls”, não “feikinils”.

Vida Tercina

Penso, digo, ajo:
Separo;
Palavras na fenda, ágil,
Disparo.

Gelo*, líquido e ardo:
Na fugacidade do espaço;
Na fuga da cidade, parto
Esperas em pedaços.

Penso, sinto, faço:
Preparo;
Faço-o pensar: “tão fácil”
Que avaro!

Apresso-me, corro, tardo:
O pão que amasso;
Estresso-me, morro, fardo
O amor do abraço.

Forte, sensível, frágil:
Preclaro;
Religo, desvelo o mágico
Anteparo.

Voo, deslizo, caio:
Abalo;
No solo o sangue: saio
E calo.


* Pronuncie “gélo”.

Jardim de Bárbaros

Febris, os dedos do jardineiro louco
Semeiam hordas, vis, incivilizadas;
O solo rega com sangue sobre os ouros
Rúbio incêndio que perfaz, de tudo, nadas.

Entre sedosas multicolores goivas
Rugem coturnos: eis que lá vêm os godos!
Com beijo fátuo anunciam os sândalos
Outra investida de Genserico Vândalo.

O povo dança; nos cabelos, camélias;
Rendem seus louros aos louros da Suécia.
Buquês, coroas, de alvas margaridas
Enfeitadas, saúdam os teutonidas.

De vida efêmera similar a lírios,
Perece a pátria, ferida de aço sírio.
Canoro fumo d’eflúvias alfazemas
Envolve as velas da frota sarracena.

Segamos vivos ramos de violetas,
Cegamos, frios, às mortes violentas,
Nação defunta; ó aroma dos cravos:
Visão profunda de uma Roma de escravos!

O Frio, o Quente, o Morno e o Aço

“Mas que dia desprazerosamente frio!”,
Exclama o Duque do Sol Escaldante,
O corpo teso tomado de arrepios,
No alto da Torre do Castelo Flamejante:
“Que seria do mundo sem a carícia
Das brasas celestes que a vida alimenta
Das brisas silvestres que bradam noviças
O poder infinito que os corpos ferventa”.

“Mas que desagradável quentura!”,
Sussurra o Duque do Frio Glacial,
O corpo ressudado em cada comissura,
Nos subterrâneos do Castelo Invernal:
“Ah, que os glaciares redentores
Se desprendessem do frígido Sul,
E refrescassem estes calores,
Devolvendo ao mundo o seu azul!”

“Mas que dia delicioso!”,
Gargalha a Duquesa do Aço,
No corpo um frêmito voluptuoso
Enquanto brada agitando os braços:
“No calor que o metal liquefaz,
Ou no frio que o enrijece,
O Aço secciona a Paz,
E de sangue terei a messe!”

“Eis, enfim, um dia perfeito!”,
Proclama o rei na Sala do Trono,
No majestático direito,
De todos induzir ao Sono:
“Nem quente, nem frio: morno!
Em minhas terras subtropicais!
Governo a todos em meu entorno!
E desta vida nada quero mais!”

E assim se eleva no horizonte
Estrela rubra, fulgurante –
Prepara os remos, ó Caronte:
Pois a guerra chegará num instante!

Duelo poético

Meu amigo, o poeta carioca vascaíno Vinícius Lopes Santa Rosa, publicou em seu perfil no Facebook um curto poema sobre o Brasil. Decidi responder de forma bem-humorada, em versos. Seguiu-se um divertido “duelo poético” na seção de comentários do poema original, que reproduzo a seguir, com autorização expressa do Vinícius. A intenção, obviamente despretensiosa, era nos divertir e exercitar a expressão de ideias em linguagem poética.

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Ó terra,
Ó terra Brasilis, quanto de teu mal
Não são virtudes de carnaval?

Vale a pena? Nada vale a pena,
Quando a carne não é pequena.

Alexei Gonçalves de Oliveira

Brasil, do meu arrebol,
De teus males, quantos advêm
De teu amor pelo futebol?

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Ó compatrício
Patrício, quanto de teu asco
É de frustração com nosso Vasco?
Deixai de lado teu furor e tédio
Para que manumite o ludopédio!

Alexei Gonçalves de Oliveira

Ensurdecido e cego
Pelo brilho da bola
Embravecido negas
Quão dementes e tolas
Qual cabeças de prego
Os debates que rolam:
Envaidecidos egos
Esquecida gaiola
Na ardente refrega
Das correntes argolas.

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Nada nego disso dito.
Contrário! Tudo endosso!
Contudo, de outra digo.
D’além do cárcere nosso!

Falas de tempo estulto.
Eu já não trato de razão!
Clareias o ato inculto.
Eu escancaro a paixão!

“Tudo ou nada” pergunto.
Faço três vezes “Casaca”!
Com essa turma me junto.
Breve tempo de fuzarca!

Vasco!
Vasco!
Vasco!

Alexei Gonçalves de Oliveira

Se a bola discutes
Pela paixão
Teus pensamentos são chutes
Perdeste a razão!

Quem ama um escudo de time —
Empresa privada com fins lucrativos —
Perdoa em seu nome um crime
Contra a pátria de que somos nativos!

Discussão é treino;
O raciocínio, o reino
De serenidade;

O futebol, paradigma
De tudo o que indigna
A racionalidade!

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Provastes teu argumento.
Mas o que faço eu com a bola?

Culpado! Confesso!
Sem rima! Sem verso!
Dos chutes não meço!
Mas crimes despeço
A imputação! Cesso!

Triste tua constatação!
Cravastes mais ainda
O punhal de tua razão!

Dó! Dó de tu e de tua
Tão certeza! Crua e nua!
Só! Tu que flutuas
Em tristeza!
Bola que rola na rua!
Dá Beleza!
Dá um tanto de imaginação
Qual pulsa imortal paixão.

Balada do Velho Pinheiro

Soerguendo-se no verde caos da floresta
O imponente tronco carcomido,
Eloquente testemunho da glória de tempos esquecidos,
Do velho pinheiro entoa o que de voz ainda lhe resta.

Em tom terrível o tétrico tronco admoesta
Os pecados que se alastram nos ganidos
Dos seres que em passos desmedidos
Dançam a seus pés a vida em festa.

Dos ramos ancestrais inda descaem pinhas
Que no solo árido rochoso estalam;
Alguns, aqui e ali, a esterilidade abalam,
E germinam, e brotam, e crescem, vencendo rinhas.

Nenhum tão profundamente se enraíza,
Porém, como o velho pinheiro:
Das raízes fazem pernas e por quaisquer dinheiros
Logo largam o solo e seguem enganosas brisas.

De suas pernas fazem naus e vão singrar as vagas fúrias
Deslumbrados com a leveza em que flutuam:
Até que os vagos movimentos que insinuam
Naufragam ambições, cobiças e luxúrias.

Mas não aprendem da nefasta experiência
Os deveres, os cuidados, o respeito venerando,
Que mesmo em dias de aprazíveis ventos brandos,
Exige o mar dos que lhe têm Ciência.

Não! Ao velho pinheiro toda a culpa cabe
De cada sofrência e desdita,
De toda dor que palpita,
No que ignora o que sabe.

Arremedando medrosamente o matusalênico mestre
Os pinheirinhos verdolengos
Germinam mentirinhas molengas
E não dizem coisa que preste.

A voz do velho pinheiro na floresta tonitrua,
Troa, troveja, atormenta;
E os pinheirinhos não aguentam,
O desfile de sua burrice, à vista de todos, nua!

Conjuram nuvens de cupins,
Esquadrilhas de pica-paus,
Gralhas e bacuraus,
E criaturas afins.

O velho pinheiro, sobranceiro, de tudo ri-se faceiro,
A tudo afasta sem recato:
Tudo se vai na corrente do regato
E ele segue, invicto, no topo do outeiro.

Poemas