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Senhor, iluminai

Senhor, iluminai
O meu anjo da guarda:
Que no inferno eu não arda
Sobre rubros metais.

Que sua aura reluza
A bondade divina
Sobre minha rotina
E o mal não me seduza.

Sob o olhar de Maria
Minha alma pecadora:
Segue a mão redentora,
Seja Cristo teu guia.

Ó Senhor, resguardai
O meu anjo da guarda
Que o eterno não tarda
E o Juízo não mais.

Minha voz não abusa
Da sagrada doutrina:
Do pecado refina
Toda mente confusa.

Sob o olhar de Maria –
Beijo santo em quem chora! –
Sorrio sem demora
Pois na Virgem confio.

A pedra e a fenda

Mais pressinto do que entendo
A fenda de tolices
Que cinge a religiosidade
Como resguardo de nociva carolice.
 
Uma e outra aparentadas no temor
de Deus, a primeira é grata refém
Da Bondade Soberana.
Na segunda intuo a ausência desse Amor
Infinito cuja coroa usurpa um supersticioso
Horror a todo Bem.
 
No solo ressequido do coração em pânico
Enraizam-se,
Germinam,
Brotam,
Defluem tortuosas frondes
Embaraçadas de angústias daninhas
E de ódios trepadeiros.
 
Do religioso, sobre a outra face
Da moeda que se dá ao inimigo,
Cumulam-se o
Ouro, a
Prata, as
Pedras inquebráveis,
Sobre quem se funda a nossa Igreja.

Sorte e Providência

Digo “boa sorte”,
Intento indiferença
Pois, Cristão, não sei a sorte:
Só a Providência.

Versão em espanhol por Catherine Espinoza:

Digo “buena suerte”,
Intento indiferencia
Ya que, Cristiano, no sé la suerte:
Sólo la Providencia.

João Batista

Largai-me na masmorra mais profunda, nas entranhas do planeta,
E minha voz penetrará vossos ouvidos
Sussurrante em cada brisa. Serei ouvido
No farfalhar das folhas de papel em que a tinta de vossa caneta
Registrará minha sentença.

Cortai minha cabeça e servi-a a vossa amante num prato:
Ouvir-me-eis no zumbido dos insetos,
No borbulhar do espumante premiado, infecto,
No roçar dos talheres de prata
Na carne da lagosta, rosácea e densa.

Sepultai meu corpo e, nas frinchas das paredes, escutai:
Minha língua incorpórea ainda fala, barítona,
De vossas culpas e sofismas, epítome,
De vossas blasfêmias, ai
De vós, raça de víboras – eis a cruz de vossa descrença!

Nas dobras de vossas togas, nos fios de vossas barbas,
Nos nós de vossas gravatas,
Nas mesas de aristocratas,
Nas camas que vos enfartam,
Minha voz dirá – Culpado! – até que as almas se convençam!

Esperança e Fé

Esperança: amiga indelével da dor contrita
Cresta do espírito o solo devoluto,
Calca as fímbrias do manto da donzela aflita,
Esgarça a fibra do guerreiro resoluto.

Fé: esposa amantíssima do deleite eterno
Na mansidão febril da certeza e da verdade
Ergue a fronte em desafio ao pós-moderno
E inflama ao rubro, de outros tempos, a saudade.

Na ágora da vida, esperança e fé combatem
Em cada peito; prevalece a cada instante
Ora a dama, ora a santa, terçando ambíguas

As espadas do argumento, tão profícuas,
Tão prolixas em seus verbos adamantes,
Indiferentes a quantos eles matem!

Poemas