Mais sobre Memória e Aprendizagem

Ao reler o último artigo da série sobre os benefícios da Educação Clássica, em que abordei as relações entre memória e aprendizagem, senti que faltou esclarecer melhor, com o recurso a exemplos práticos, de que modo a Educação Clássica colabora para o desenvolvimento da memória do estudante. Como o artigo já estava bastante longo para os padrões de um blog – mais de 1400 palavras – decidi escrever este breve complemento como uma espécie de “apêndice prático” para orientação das famílias e demais leitores interessados.

 "The first music lesson" por Charles West Cope - 1863


“The first music lesson” por Charles West Cope – 1863

Em meu livro “Vias Clássicas: Introdução à Prática da Educação Clássica Cristã em seu lar”, esforcei-me para demonstrar como a Educação Clássica tem como uma de suas principais características a integração dos conteúdos estudados nas mais diversas disciplinas. Destaco um trecho:

“Integrar disciplinas também é outra maneira de simplificar os nossos dias de estudos. Por exemplo, quando estamos estudando um período específico da História, procuramos apreciar, paralelamente, a Literatura, a Música e a Arte desse mesmo período. No ano em que estudamos a Idade Média, além dos livros que apresentavam fatos históricos, acrescentamos ao nosso currículo a leitura de contos medievais. Em nossos estudos de Geografia, os mapas da Idade Média foram comparados com mapas geográficos atuais. Obras de arte e imagens de feitos arquitetônicos medievais também integraram o currículo. Ao agir desta forma, conseguimos simplificar nosso estudo integrando as disciplinas de História, Geografia, Arte, Música e Literatura em torno de um tema maior” (pp. 53-54).

Essa integração é muito mais do que uma simples comodidade prática; de fato, integra o núcleo da filosofia que sustenta a Educação Clássica Cristã. Mas, como vimos no artigo anterior, é uma filosofia sustentada pelas pesquisas científicas modernas sobre a Psicologia da Memória. Como a memória é um processo biológico fundamentalmente associativo – como dissemos, “uma informação tem maior probabilidade de ser transferida da memória de curto prazo para a de longo prazo caso esteja, de algum modo, associada a alguma informação preexistente” – a integração do conteúdo das diferentes disciplinas propicia uma associação entre conceitos que, decididamente, favorece a incorporação dos conteúdos estudados à memória de longo-prazo. O conhecimento científico quanto ao modo como ocorre essa integração ainda é rudimentar:

“Achados convergentes de estudos neuropsicológicos em humanos unidos a estudos sobre lesões experimentais e neuroanatômicos em animais mostraram que as estruturas chaves do lobo temporal medial importantes para a memória declarativa/relacional incluem o hipocampo e os córtices entorrinal, perirrinal e para-hipocampal. Embora esteja claro que as estruturas do lobo medial temporal são essenciais para a aquisição de novas memórias declarativas/relacionais, ainda temos um entendimento somente rudimentar dos padrões normais da atividade neuronal subjacentes a esta habilidade”.

É simplesmente maravilhoso que uma filosofia e metodologia de Educação criada e desenvolvida ao longo de séculos com base somente na observação, estudo e raciocínio filosófico, tão caluniada nas últimas décadas por ideólogos pretensamente “objetivos e práticos”, mostre na prática sua extrema convergência com a pesquisa científica mais moderna!

À luz desses fatos, podemos dizer sem medo de errar que as práticas do sistema educacional nas últimas décadas constituíram receita para o desastre. Ao fragmentar o ensino em disciplinas estanques, com conteúdos não planejados para complementar uns aos outros, o sistema educacional brasileiro simplesmente aumentou assustadoramente a dificuldade a absorção desses conteúdos à memória de longo prazo dos nossos estudantes!

Por exemplo, o aluno assiste a uma aula de História sobre “O Feudalismo”. Em seguida, o professor de Geografia apresenta uma aula sobre “Geografia Física do Brasil”. Na aula seguinte, o professor de Literatura aborda o “Romantismo”, movimento literário do século XIX. Finalmente, o professor de Biologia aborda o mecanismo da “Fotossíntese”. É uma enxurrada de informações novas, desconectadas, que dificultam extremamente sua fixação na memória de longo prazo! O pior é que não há vislumbre a curto prazo de mudança substantiva nessa prática. São cada vez mais frequentes as propostas de incluir ainda mais disciplinas não-relacionadas nos currículos escolares, sobrecarregando ainda mais a mente do estudante com ideias que ele terá cada vez menor capacidade de absorver e de integrar à sua capacidade de entendimento da realidade circundante.

O retorno à Educação Clássica, portanto, nada tem de “saudosismo”, “conservadorismo” ou “elitismo”: é uma exigência da racionalidade ante o fracasso absoluto das propostas ditas “modernas” de Educação em produzir um aprendizado efetivamente capacitador e libertador da inteligência do estudante.

Índice de artigos desta série:

Vias Clássicas Valorizando o Conhecimento