Dissemos no primeiro artigo desta série que “o sétimo benefício fundamental da Educação Clássica é que, ao contrário da ‘Educação terminativa’ em nível de ensino médio vislumbrada pelos formuladores de nosso atual sistema educacional, o seu filho perceberá que a Educação é um processo que jamais se completa. Não importando a quantidade ou qualidade da informação a que tenha sido exposto, seu filho entenderá que todo conhecimento é limitado e que o aprendizado é uma busca que jamais se finaliza”.
A noção de “educação terminativa”, expressão integrante do projeto educacional vigente em nosso país, implica a ideia de que, em algum momento da vida do indivíduo, ele estará intelectualmente “pronto”, “completo”, e que, nesse dia, sua educação estará “terminada”, sendo dispensável o prosseguimento dos estudos. O equívoco estrondoso dessa visão educacional revela todo o seu escândalo já no início de nossa investigação, quando descobrimos o gigantesco campo de estudos científicos sobre a “educação continuada”, expressão que, por si mesma, já se opõe como antônima do projeto de “educação terminativa”. Neste artigo, apresentarei apenas algumas noções elementares dessa vasta e fascinante área de conhecimento que, segundo meu entendimento, serão suficientes para sepultar qualquer pretensão “terminativa” no processo educacional.
Educação Médica Continuada: um exemplo de amplo alcance
É provável que a profissão sobre a qual paire o mais consenso quanto à necessidade de atualização constante – isto é, “educação continuada” – seja a Medicina. Os constantes avanços nos métodos de diagnóstico e tratamento, na compreensão sobre o funcionamento do organismo, no desenvolvimento de novos medicamentos e no conhecimento acerca dos medicamentos existentes, nos protocolos nacionais e internacionais que obrigam o profissional à adesão a certas práticas e valores, fazem da cerimônia de “formatura” do profissional médico muito mais um rito inaugural de uma nova etapa numa vida dedicada aos estudos do que a celebração do fim de um processo educacional “terminativo”. Não por acaso, há uma impressionante quantidade de pesquisas dedicadas exclusivamente à identificação das melhores e mais eficazes estratégias e técnicas de educação continuada para a classe médica.
Por exemplo, num estudo de 1995 intitulado “Mudando o desempenho dos médicos: uma revisão sistemática do efeito das estratégias de Educação Médica Continuada” os pesquisadores procederam a uma ampla revisão da literatura sobre a Educação Médica Continuada no período de 20 anos entre 1975-1994 e descobriram que 70% dos médicos estudados demonstraram mudança positiva em seu desempenho após a participação nesses programas e que 48% dos programas de Educação Continuada dirigidos a profissionais de saúde produziram impacto positivo nesse período.
É evidente que não se obtêm resultados positivos em qualquer tipo de programa. Segundo um estudo de 1999 sobre o impacto da educação médica continuada formal, o simples comparecimento passivo a cursos e palestras não basta: os melhores resultados são obtidos quando o profissional médico tem a oportunidade de praticar as habilidades aprendidas e participar ativamente do processo de aprendizagem.
Outro estudo realizado em 2009 sobre a efetividade de encontros educacionais e oficinas sobre a prática de profissionais de saúde – os autores definem “encontros educacionais” como “cursos, conferências, palestras, oficinais, seminários e simpósios” – sugere que esses encontros, isoladamente, proveem apenas pequenas melhorias no desempenho profissional quando isoladamente, mas ampliam sua eficácia quando aplicados em conjunto com outras técnicas educacionais.
Mais importante do que o método de apresentação, porém, parece ser o interesse do profissional pelo tema do material educativo. Num estudo randomizado de 1982, os pesquisadores descobriram que as melhorias de desempenho no grupo de testes eram equivalentes às do grupo de controle.
A mídia empregada para a Educação Médica Continuada também parece importar pouco diante do interesse do profissional pelo tema. Um estudo de 2005 sobre eLearning (isto é, aprendizado pela internet) demonstrou que esta mídia é tão eficiente quanto qualquer outra para a transmissão de conhecimentos.
Finalmente, vale mencionar uma extensa meta-análise realizada em 2007 congregando os resultados de 61 estudos sobre a eficácia de diferentes métodos de Educação Médica Continuada que sugere que o efeito da Educação Médica Continuada é médio sobre o conhecimento do profissional e pequeno sobre o desempenho do profissional e sobre os resultados para os pacientes. Porém, o tamanho do efeito aumenta quando “as intervenções são interativas, empregam múltiplos métodos e são concebidas para um pequeno grupo de médicos de uma mesma disciplina”.
Nesta rápida compilação de resultados de pesquisas amplamente citadas em outros trabalhos, é possível observar que as conclusões que destacamos aqui não parecem, ao menos a princípio, aplicáveis exclusivamente à classe médica, mas é plausível supor que sejam extensíveis, ainda que parcialmente, a outras profissões.
Educação Continuada em outras profissões
Peter Jarvis, em obra destinada ao programa de mestrado em Educação de Adultos da Universidade de Surrey, na Inglaterra, apresenta o problema da Educação Continuada como uma necessidade da sociedade tecnológica:
“O aprendizado humano é um processo que dura toda a vida e adquiriu maior significância conforme o aumento na rapidez das mudanças na sociedade, de modo que seus membros são praticamente compelidos a manter-se aprendendo caso queiram continuar integrando-a. Este não é um fenômeno novo; os seres humanos provavelmente sempre tiveram a capacidade de aprender ao longo de suas vidas mas, em tempos passados, havia menor necessidade do que nos tempos atuais. O aprendizado ao longo de toda a vida, consequentemente, tornou-se um tema mais conspícuo na literatura dos anos recentes (…) Não é difícil, entretanto, perceber que, em uma sociedade onde o ritmo de mudança social é muito lento, tal como na sociedade Europeia pré-industrial
(…) é factível para os indivíduos o aprendizado de todo o conhecimento cultural necessário para assumir seu lugar na sociedade já durante a infância. (…) Consequentemente, não é difícil entender porque emergiu um certo modelo de Educação, embora seja igualmente óbvio que um tal modelo tenha reduzida relevância numa sociedade cuja cultura mude rapidamente”.1
Embora seja reconhecida a necessidade da Educação continuada para a maioria das profissões, o prof. Ciril Houle, PhD, pontua que cada profissão deve desenvolver seus próprios modelos e soluções:
“O ensino e a aprendizagem residem tão próximas ao coração de cada profissão que, para seus líderes, elas parecem não dispor de quaisquer outras fontes que não o seu distintivo conhecimento e tradição, suas crenças e histórias particulares, além de suas estruturas e formas próprias. Ao desenvolver a ideia de Educação Continuada, cada ocupação segue solitariamente seu próprio caminho, auferindo suas vitórias, cometendo seus erros e amadurecendo seus próprios conceitos”2.
Esse reconhecimento abriu um vastíssimo campo de pesquisa, em que se procura estabelecer quais as melhores estratégias para a Educação Continuada de adultos em cada profissão. Por exemplo, um estudo de 1997 procurou definir as preferências dos treinadores desportivos de equipes jovens em termos de Educação Continuada específica em seu campo de atuação profissional. Outro exemplo é o deste estudo, que investigou as preferências dos profissionais de enfermagem, ou deste outro, que estudou as necessidades dos profissionais de Educação.
A busca por Educação Continuada é um fenômeno mundial que só tende a aumentar, como se pode ver neste estudo de 1999 que avaliou a incidência e o volume de Educação Continuada em 10 diferentes países que, entre outras conclusões, afirma que os maiores patrocinadores de iniciativas de Educação Continuada são as empresas ao engajar seus funcionários em atividades de treinamento relacionadas ao trabalho.
Educação Clássica é Educação Continuada
Diante do exposto, a noção de “Educação Terminativa” emerge como um absurdo completo que se torna a cada dia mais danoso especialmente a partir da década de 1990 e suas vertiginosas transformações tecnológicas. O estudante da geração atual necessita preparar-se para uma vida inteira de estudos e aprendizagem, compreendendo que a Educação não se completa na aquisição de um “diploma” ou “certificado”, meros documentos comprobatórios de uma trajetória temporalmente limitada, não de um objetivo plenamente atingido. A Educação Clássica contribui espetacularmente para a percepção dessa necessidade, pois é estruturada de modo a jamais esgotar-se num “programa de curso” concebido para ajustar-se às limitações cronológicas de uma instituição de ensino, deixando claro para o estudante que cada campo de conhecimento representa um mundo de informações inter-relacionadas e relacionadas às de outros campos de conhecimento. O estudante que recebe uma Educação Clássica aprende, acima de tudo a estudar e a aprender, não se sentindo de forma alguma intimidado pela necessidade de saber mais, inclusive através do exemplo de seus próprios educadores, como pontuamos em nosso livro “Vias Clássicas: Introdução à Prática da Educação Clássica Cristã em seu lar”:
“É claro que não será necessário ler todas as obras indicadas antes de iniciar a prática da Educação Clássica Cristã. O objetivo é manter viva em sua mente a necessidade de estudá-las com o intuito de, ao longo dos anos, completar sua própria autoeducação enquanto aprimora continuamente sua capacidade de bem educar os seus filhos (…) O seu papel como educador é tornar-se, aos olhos de seus filhos, um modelo digno de imitação. Por isso, o meu conselho é: comece agora mesmo o seu processo de autoeducação e a sua vida será o melhor exemplo de conduta”.
A Educação Clássica cria o hábito da expansão e do aprofundamento contínuos do conhecimento. Assim, seja você o primeiro a dar esse bom exemplo e seus filhos seguirão seus passos.
1 JARVIS, Peter. Adult and Continuing Education: Theory and Pratice. New York, London: Routledge, 1995, 2nd ed, p. 1-3.
2HOULE, Cirll O. Continuing Learning in the Professions. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1980.
Índice de artigos desta série:
- Os oito benefícios fundamentais da Educação Clássica
- Benefícios da Educação Clássica (1) – Pertencimento
- Benefícios da Educação Clássica (2) – Independência Intelectual
- Benefícios da Educação Clássica (3) – Discernimento
- Benefícios da Educação Clássica (4) – Visão de Conjunto
- Benefícios da Educação Clássica (5) – Herança greco-romana
- Benefícios da Educação Clássica (6) – Memória e Aprendizagem
- Mais sobre Memória e Aprendizagem
- Benefícios da Educação Clássica (7): Aprendizado contínuo
- Benefícios da Educação Clássica (8): Liderança