Categoria: Poemas

Ó flor do meu Reno, ó rosa do meu Tibre!

Do Reno lancetam-me cérulas centáureas,
Quentes, lancinantes, lacrimosos olhares
Perfuram profundos, dolorosos, meus mares,
E afogo-me mudo. Deslizo em tuas áureas

E lisas ondas, pétalas raras, que acalmam
O furor meditante da rúbida Antares,
A mão cetrina que compõe cantos a Ares,
O fogo de iras que enrubescem a alma!

Ó flor do meu Reno, ó rosa do meu Tibre!
Nunca evadas teu perfume de minhas margens,
Pois cevado por teu lume, leves aragens

Já encapelam meu fluxo criador, livre
Na prisão voluntária do amor, rei ou pajem,
Tudo mais é delírio, quimera, miragem!

De pedras e caminhos

No meio do caminho havia uma pedra,
Nem era tão avantajada:
Chutei-a longe e segui adiante.

No meio do caminho havia outra pedra;
Assaz avantajada, não podia chutá-la:
Saltei-a e segui adiante.

No meio do caminho havia outra pedra;
Assaz avantajada, não podia saltá-la:
Empurrei-a e segui adiante.

No meio do caminho havia outra pedra;
Assaz avantajada, não podia empurrá-la:
Escalei-a e segui adiante.

No meio do caminho havia outra pedra;
Assaz avantajada, não podia escalá-la:
Sob ela escavei um túnel e segui adiante.

No meio do caminho havia outra pedra;
Assaz avantajava-se sob o solo, sob ela não podia escavar um túnel:
Nela própria perfurei um túnel e segui adiante.

No meio do caminho havia outra pedra;
Assaz avantajada, uma montanha, impossível perfurar-lhe um túnel:
Em seu contorno pavimentei uma estrada e segui adiante.

Nenhuma pedra é de tal modo assaz avantajada,
Nenhuma retina tão fatigada,
Para quem deseja seguir adiante.

Um sonho de rei

De um sonho de rei em seu trono assentado
A bobo da corte deixado de lado:
As plantas dos pés dilaceram espinhos
De sangue umedecem o pó do caminho.

Frustrado desejo em ferro algemado
Incita inclemente famélicos brados:
Sufocam-se mudos num redemoinho
De brasas que crestam sudários de linho.

Das lágrimas, do suor da meia-noite,
Feridas lancinam as dores do açoite
Inclemente, descartado à própria sorte.

Amanhece a esperança cruel, tão forte,
Mas não permito que o coração se afoite
Pois traz nos ombros de ceifeira a foice.

Dante

A Oliveira floresce e frutifica
Ao raiar de dois mil e vinte e dois:
Deus em Karol e Alexandre pôs
Amor menino que ninguém explica!

Rosáceo no seio da mãe, estica
Os lábios, suga o leite, ao som da voz
Do primeiro amor; faz de todos nós –
Pai, mãe, tios – servos da fome aflita!

Nas noites claras do bento casal
Co’o cristalino choro diurnal
Nada mais será como era antes!

Pois a vida se redefine, tal
A luz que um filho traz, de Deus sinal:
Seja bem-vindo e bem-amado, Dante!

Advento

Georges de la Tour, The Newborn Christ, 1640s, Museum of Fine Art, Rennes, France. Detail.

Georges de la Tour, The Newborn Christ, 1640s, Museum of Fine Art, Rennes, France. Detail. Fonte: https://www.dailyartmagazine.com/an-art-advent-calendar-of-nativities/

A Esperança no raio de luz da estrela
De um Verbo novo; na manjedoura o lírio
Da Verdade aquieta-se à luz de mil círios:
Nunca uma família cintilou tão bela!

Na mão da mãe que os cabelinhos anela
No bebê Deus que nos salva do delírio
Do pecado no caminho do martírio
O amor enflora-se em majestosa umbela.

Os anjos entoam divina cantata,
Os pastores exultam com tanta Graça,
Os reis lhe trazem incenso, mirra e ouro:

Aquele que, traído por reles prata,
Rogará perdão para o que os maus lhe façam,
Fundando um reino de amor imorredouro.

Serpente pérfida

No bafio tímido da fraca chuva
Eriçam-se as folhagens do outono fero;
Faces sombrias, mudas enquanto espero
Feridas donzelas que meus passos julgam.

Dos golpes e estocadas as dores uivo
Sob os beijos quentes das pontas de ferro:
Malgrado a marcha aflita que a sorte enterra
Minhas pegadas: perdidas nódoas ruivas.

O desejo vívido que a carne açula,
Perverso estandarte que o mundo tremula,
Serpente pérfida que a meus pés sibila:

Num segundo crava sua presa aguda
Na carne que implora e grita por ajuda
Contra o mal e contra todos que o prefiram.

Triolé Verde e Amarelo

País entregue à roubalheira,
Entre os países condenado,
Nas mãos de elite cangaceira,
País entregue à roubalheira;
Inocentados de primeira
Metem as mãos nos governados;
País entregue à roubalheira,
Entre os países condenado.

Pouco se dá a quantos morrem
Desalentados com COVID,
Azar daqueles que os socorrem!
Pouco se dá a quantos morrem;
No lixo vacinas vencidas,
Problema de quem perde a vida;
Pouco se dá a quantos morrem
Desalentados com COVID.

Livres em todas as instâncias
Para roubar cada centavo,
No cidadão engulhos, ânsias,
Livres em todas as instâncias.
Soem sirenes de ambulâncias
Para salvar o povo escravo;
Livres em todas as instâncias
Para roubar cada centavo.

Necrópole

Num final de tarde de umbrosas nuvens
Contra a frigidez ventosa do crepúsculo,
O viandante arrasta o corpo transido.
Trôpego, marcha; suas botas imprimem
Pegadas tímidas na areia seca.
Treme e geme, o capote mais adeja que o protege
Das álgidas lufadas do Meridião.
Segue-lhe os passos solitários
Na estrada do Abandono
Sua sombra, apenas.

Aureolando seus pés
A poalha rebrilha a réstia do sol ocaso
Que teimosamente inda fulgura
sob opressivas nuvens no horizonte.

O marco carcomido pela Fúria
Do tempo e dos elementos,
da vida e de seus tormentos,
Informa:
“NECRÓPOLE — Bem-vindos os mal-avindos”.

E do seu rosto foge a cor
no instante fatal;
E suspira o seu terror
quando cruza o umbral.

 

Senhor, iluminai

Senhor, iluminai
O meu anjo da guarda:
Que no inferno eu não arda
Sobre rubros metais.

Que sua aura reluza
A bondade divina
Sobre minha rotina
E o mal não me seduza.

Sob o olhar de Maria
Minha alma pecadora:
Segue a mão redentora,
Seja Cristo teu guia.

Ó Senhor, resguardai
O meu anjo da guarda
Que o eterno não tarda
E o Juízo não mais.

Minha voz não abusa
Da sagrada doutrina:
Do pecado refina
Toda mente confusa.

Sob o olhar de Maria –
Beijo santo em quem chora! –
Sorrio sem demora
Pois na Virgem confio.

Rapina

Se o ventre seco da pátria carcomida
Gesta os ratos e vermes que irão roê-la
Gemer meus cantos à decadente estrela
Não devolverá seu corpo morto à vida.

As estruturas podres não lhe dão saída:
Colapso iminente aguarda a todos nela
Que seu cadáver deploram na capela
E em vão imploram por pratos de comida.

 

Teus coveiros imponentes salivando,
Revoam sorrisos da rapina em bando,
Sem temer os ventos ou as tempestades;

Se haverá bom termo, não sabemos quando;
Envergonhamo-nos do semblante brando
Com que ostentam infinita impiedade.

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