Quem és tu?

Meus passos hesitantes aproximam-me
Do Palácio das Dores, onde um pleito
Insano a que as Parcas obrigam-me
Levarei ao Mestre do Direito.

A cada curva da estrada lamacenta
Aloja-se uma besta em sentinela,
Guardiã dos Portões do Cumprimento,
Brandindo uma exigência de chancela.

“Quem és tu?”, interroga-me a Górgona
A primeira de longa fila,
Que trincando seus dentes isógonos,
O ódio ao visitante sibila.

“Sou Ninguém”, respondo cabisbaixo,
“Ninguém que importe, apenas um velho,
Em que lugar nenhum me encaixo,
Teu mero reflexo no espelho”.

Em seguida, interpela-me o Cíclope,
A pança cúpida por carne crua,
“Quem és tu?”, ruge e estreita o olho míope,
Desde alturas que a coragem acua.

“Sou Ninguém”, assevero, não reluto:
“Sou o Ninguém que navega por maus ventos,
O Ninguém cuja voz ninguém escuta,
O Ninguém que ignora os elementos,

O Ninguém que no ventre das ovelhas,
Despreza os que ostentam sinecuras,
E que com a diligência das abelhas,
O olho do Cíclope perfura”.

À entrada do Palácio sorri a esfinge
O enigma que me devora,
O sangue em suas presas tinge
De terror o meu semblante agora.

“Quem és tu”, desafia-me o monstro.
“Sou Ninguém”, gaguejante, replico,
“Um Ninguém que, como logo o demonstro,
Teus enigmas não devoro, decifro-os!”

Mais além vem-me o Leão de Nemeia
De arregaçadas babujantes fauces
Fita-me qual Pigmalião sua Galateia
Expectante de um passo meu em falso.

“Quem és tu?”, brame a insaciável fera.
“Sou Ninguém”, balbucio um acalanto,
“Sou Ninguém que tua cabeça fere,
O Ninguém que tua pele veste em manto”.

Enfim diante do trono do Leviatã,
A bocarra deglutidora de vidas;
A seus pés os ossos dos que, no afã
De exigir o cumprimento de seus pedidos,
Experimentaram a sorte malsã,
De morte em seu ventre digeridos.

Nada me pergunta, nada quer ouvir,
Gargalha, debocha, escarnece:
“Idiota! Tudo o que quero saber de ti,
É teu nome, R.G., CPF!

Volta agora outro dia –
Que já se encerrou o expediente –
Nalgum momento entre o meio-dia
E a hora do sol poente”.

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