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Duelo poético

Meu amigo, o poeta carioca vascaíno Vinícius Lopes Santa Rosa, publicou em seu perfil no Facebook um curto poema sobre o Brasil. Decidi responder de forma bem-humorada, em versos. Seguiu-se um divertido “duelo poético” na seção de comentários do poema original, que reproduzo a seguir, com autorização expressa do Vinícius. A intenção, obviamente despretensiosa, era nos divertir e exercitar a expressão de ideias em linguagem poética.

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Ó terra,
Ó terra Brasilis, quanto de teu mal
Não são virtudes de carnaval?

Vale a pena? Nada vale a pena,
Quando a carne não é pequena.

Alexei Gonçalves de Oliveira

Brasil, do meu arrebol,
De teus males, quantos advêm
De teu amor pelo futebol?

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Ó compatrício
Patrício, quanto de teu asco
É de frustração com nosso Vasco?
Deixai de lado teu furor e tédio
Para que manumite o ludopédio!

Alexei Gonçalves de Oliveira

Ensurdecido e cego
Pelo brilho da bola
Embravecido negas
Quão dementes e tolas
Qual cabeças de prego
Os debates que rolam:
Envaidecidos egos
Esquecida gaiola
Na ardente refrega
Das correntes argolas.

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Nada nego disso dito.
Contrário! Tudo endosso!
Contudo, de outra digo.
D’além do cárcere nosso!

Falas de tempo estulto.
Eu já não trato de razão!
Clareias o ato inculto.
Eu escancaro a paixão!

“Tudo ou nada” pergunto.
Faço três vezes “Casaca”!
Com essa turma me junto.
Breve tempo de fuzarca!

Vasco!
Vasco!
Vasco!

Alexei Gonçalves de Oliveira

Se a bola discutes
Pela paixão
Teus pensamentos são chutes
Perdeste a razão!

Quem ama um escudo de time —
Empresa privada com fins lucrativos —
Perdoa em seu nome um crime
Contra a pátria de que somos nativos!

Discussão é treino;
O raciocínio, o reino
De serenidade;

O futebol, paradigma
De tudo o que indigna
A racionalidade!

Vinícius Lopes Santa Rosa:

Provastes teu argumento.
Mas o que faço eu com a bola?

Culpado! Confesso!
Sem rima! Sem verso!
Dos chutes não meço!
Mas crimes despeço
A imputação! Cesso!

Triste tua constatação!
Cravastes mais ainda
O punhal de tua razão!

Dó! Dó de tu e de tua
Tão certeza! Crua e nua!
Só! Tu que flutuas
Em tristeza!
Bola que rola na rua!
Dá Beleza!
Dá um tanto de imaginação
Qual pulsa imortal paixão.

Balada do Velho Pinheiro

Soerguendo-se no verde caos da floresta
O imponente tronco carcomido,
Eloquente testemunho da glória de tempos esquecidos,
Do velho pinheiro entoa o que de voz ainda lhe resta.

Em tom terrível o tétrico tronco admoesta
Os pecados que se alastram nos ganidos
Dos seres que em passos desmedidos
Dançam a seus pés a vida em festa.

Dos ramos ancestrais inda descaem pinhas
Que no solo árido rochoso estalam;
Alguns, aqui e ali, a esterilidade abalam,
E germinam, e brotam, e crescem, vencendo rinhas.

Nenhum tão profundamente se enraíza,
Porém, como o velho pinheiro:
Das raízes fazem pernas e por quaisquer dinheiros
Logo largam o solo e seguem enganosas brisas.

De suas pernas fazem naus e vão singrar as vagas fúrias
Deslumbrados com a leveza em que flutuam:
Até que os vagos movimentos que insinuam
Naufragam ambições, cobiças e luxúrias.

Mas não aprendem da nefasta experiência
Os deveres, os cuidados, o respeito venerando,
Que mesmo em dias de aprazíveis ventos brandos,
Exige o mar dos que lhe têm Ciência.

Não! Ao velho pinheiro toda a culpa cabe
De cada sofrência e desdita,
De toda dor que palpita,
No que ignora o que sabe.

Arremedando medrosamente o matusalênico mestre
Os pinheirinhos verdolengos
Germinam mentirinhas molengas
E não dizem coisa que preste.

A voz do velho pinheiro na floresta tonitrua,
Troa, troveja, atormenta;
E os pinheirinhos não aguentam,
O desfile de sua burrice, à vista de todos, nua!

Conjuram nuvens de cupins,
Esquadrilhas de pica-paus,
Gralhas e bacuraus,
E criaturas afins.

O velho pinheiro, sobranceiro, de tudo ri-se faceiro,
A tudo afasta sem recato:
Tudo se vai na corrente do regato
E ele segue, invicto, no topo do outeiro.

Géssica

Íris cerúleas –
Iridescentes –
Perscrutam-me as veras:
Estanciadas borbulhas
Descrentes
Por tantas esperas.

Melífluos capilares –
Enredantes –
Soçobram-me as dores:
Profundas, alvares,
Errantes,
No Mar de Rigores.

Fronte alviderme –
Alabastrina –
Sorri-me aljofarada:
Prisioneiro inerme –
Desatino! –
Pelo toque de fada.

Voz septíssona –
Policrômica –
Entoa, metódica:
Olvido o barítono,
Atônito,
Acorde monódico.

Os sete pilares do cavaleiro (suíte de poemas)

Escrevi a suíte de poemas abaixo em algum momento do final da década de 1980 e passei-o a limpo em 1997. A intenção foi reproduzir o estilo do “Tao Te King”, de Lao Tsé, na tradução de Pedro Tornaghi, para expressar valores e símbolos ocidentais. O comprimento dos versos foi planejado para que, numa diagramação centralizada, sugerisse a forma de ideogramas e, no conjunto, uma grande coluna ornamentada.

OS SETE PILARES DO CAVALEIRO

Liberdade, o supremo bem:
A donzela a ser protegida das violações dos bárbaros.

Amor, o supremo sentimento:
Amor a si mesmo, amor à humanidade,
Amor ao vil e ao virtuoso.

Lealdade, o supremo valor:
Leal aos próprios ideais, à própria palavra,
Leal aos amigos e aos adversários.

Verdade, o supremo compromisso:
Verdadeiro em tudo o que faz, em tudo o que diz,
Verdadeiro em tudo o que sente.

Justiça, o supremo objetivo:
Justo, não poupa o rigor aos amigos,
Justo, não nega misericórdia aos inimigos.

Humildade, a suprema virtude:
Humilde, reconhece os erros e os assume em suas conseqüências,
Humilde, celebra as vitórias sem orgulho.

Honra, a suprema recompensa,
Do cavaleiro que se assentar sobre os sete pilares.

O JURAMENTO DO CAVALEIRO

Liberdade, amor, lealdade,
Verdade, Justiça, Humildade e
Honra, o sétimo dos sete pilares.
Juro defender em meu coração
Com minha própria vida
Em nome de Deus, Todo Poderoso,
Até o fim de meus dias.

LIBERDADE

Livre é o cavaleiro
Porque livre é seu coração.
Livres são todos os que o rodeiam.
A boa luta do cavaleiro é a luta da liberdade.
Não haverá recanto do mundo por mais longínquo
Em que o forte oprima e abuse do fraco
Sem que sangre o coração do cavaleiro.

AMOR

O bom cavaleiro sabe amar
Com pureza no coração.
Ama sem pedir retorno
A todos indistintamente.
Não deixa de lutar a boa luta
Mas não deixa de amar.
O cavaleiro ama porque ama o amor.

LEALDADE

Não há vento, fogo, espada ou vaga
Que faça o cavaleiro recuar de sua palavra.
Não há inimigo que o cavaleiro
Não ouse encarar de frente.
O cavaleiro é leal.
Prefere, antes, a morte inglória
À traição.

VERDADE

O cavaleiro mira-se no espelho
E só vê a verdade de si mesmo.
Verdadeiro, não mente jamais,
Mesmo que a mentira ofereça maior vantagem.
O cavaleiro é transparente, cristalino.
Não há duas palavras, somente uma: a verdadeira.
A verdade é o peso e a medida do cavaleiro.

JUSTIÇA

Porque verdadeiro o cavaleiro é justo.
Pune na proporção das faltas,
Recompensa na proporção do bem realizado.
Em sua Justiça, não vê amigos nem inimigos.
Porém a justiça do cavaleiro não oprime.
Pois a recompensa do justo é a sua Liberdade
E o injusto encarcera-se a si próprio.

HUMILDADE

O cavaleiro não se vangloria: resigna-se à vitória,
Resigna-se à derrota.
Resigna-se ao aprendizado da Justiça,
a Justiça da vitória e a Justiça da derrota.
Humilde, ele derrota o orgulho da vitória.
Humilde, ele vence o amargor da derrota.
O cavaleiro sabe que tudo é transitório.

HONRA

A honra do cavaleiro é a obediência
Aos seis pilares anteriores.
A honra é o sétimo pilar
Sustentado pelos outros seis.
A honra é o pilar que sustenta
A própria existência do cavaleiro.
O cavaleiro é a sua própria honra.

Raphael

“Alhú, Alhú”! – o arcanjinho lamenta
A mãe a luz apaga.
“Áua, áua” – o arcanjinho sedento
O pai dá-lhe a água.

“Caiú, caiú” – o arcanjinho derrama
A mãe pega e ralha.
“Acaá, Acaá” – o ancanjinho conclama
Mano Martin não falha.

“Acaé, Acaé” – o arcanjinho convoca
Michael não se cala.
“Brrrum-brrrum” – o arcanjinho desloca
O carrão pela sala.

“Papai, papai” – o arcanjinho reluz
Papai embala sua dor.
“Mamãe, mamãe” – o arcanjinho seduz
Colhe e entrega-lhe a flor.

“Bambãe, Bambãe” – o arcanjinho sorri
E corre para o banho.
“Mimi, mimi” – o arcanjinho sem manha
Vai para a cama dormir.

Reinaldo Azevedo

A meus alunos tua leitura recomendo
Pela graça e estilo que teu texto ensina –
Pois acima e antes, és um escritor! –
Pela Lógica e Justiça de teus argumentos,
A partir de preferências cristalinas
Facilmente aferíveis pelo teu leitor.

De tuas ideias, não concordo, não discordo –
Não é este o caso! –
Sem valorá-las, reconheço seu valor,
Pois se minha Musa fosse a mesma que te acorda
– da aurora ao ocaso! –
Que tens razão concluiria, indolor.

Olavo de Carvalho

Nas ideias brindaste a solidão:

Das estéreis, mortas inteligências,

Ferem-te o opróbrio e a demência,

Dos compatriotas – nossos irmãos!

 

De teu curso fizeste lenitivo:

Santo remédio para almas canhotas,

Doce unguento para as mentes cambotas,

Letárgicas, do imbecil coletivo!

 

Censuras vis e magras como óbolos

Esputam hereges da Nova Era:

Estertoram – vermes! – na lama a inveja,

 

Da sublimidade fazem quimeras,

Escarnecendo das palavras régias,

Pois que – ora veja! – foste um dia astrólogo!

Gonçalves Dias

Tua terra tem mil coisas

de que não podes te orgulhar,

Ou foste tu que ensinastes

às aves, o gorjeio,

ou o canto, ao sabiá?

 

Ou com tuas mãos plantastes

As palmeiras ou, nas várzeas,

As flores;

 

Ou, no céu, engastastes

As estrelas,

Ou, nos bosques, as tais vidas –

Ou, nas vidas,

Tais amores?

 

Gonçalves Dias,

Teu prazer com tais primores,

Ao mundo não aproveitará;

Dos desfrutes teus,

Das arredias e noturnas cismas tuas,

Permite, sim, a morte, Deus;

Imortais apenas as canções

que no exílio da alma compuseste:

Todas muito mais belas

do que o canto do sabiá.

Poemas