Hoje é o aniversário do Tempo:
Primicério da existência
Impera sobre a florescência
E toda juvenília
O seu toque encarquilha.
Ao roçar de uma pena em provectos incunábulos
Grava num retábulo
O que fizeste em párvulos
Instantes pretéritos imberbes
E, neles, te embebes,
Tu que ora te cognominas
Barbaças macróbio
Decano cenóbio
Com alma de menino.
No aniversário do Tempo
Cede a vez o juvenescente
Ao senescente;
O exubério
Ao climatério:
À cuna torna o patriarca
Cujo túmulo demarca
E no bibeiro embriaga
Com o leite da canície
As lembranças aziagas
Dos anos de puerícia.
Hoje, aniversário do Tempo,
Abre tuas portas à anciania
E nada temas da caducidade:
Pois conheceste a meninia
E as dores da mocidade;
Os babadores e cueiros,
Suas formas, cores e cheiros,
Não te trazem novidade,
E toda vida é uma vela
De procissão em mãos pucelas:
Conquanto dure até o sênio,
Cedo livre do proscênio
Teu nome é sol-posto
Que não mais sorri nos rostos.
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dez 31
O aniversário do Tempo (poema de Ano Novo)
set 27
Inteligência
Forças da natureza, irresistíveis;
Avalanches, erupções vulcânicas,
Furacões e tornados, ventos irascíveis,
Enchentes e tormentas oceânicas,
Terremotos e incêndios florestais,
Frentes frias e ondas de calor,
Nevascas e auroras boreais,
Noites claras pelo fulgor
Irresistível dos raios
Vulcânicos nos vapores sulfúreos
Irascíveis que ascendem da rocha em
Oceânico fluxo de lava, incandescendo
Florestas reduzidas a fósseis carbonos pelo
Calor estorricante;
Boreal
Fulgor nas paisagens gélidas do pensamento:
Seja assim tua inteligência
Ao defrontar-se com canalhas.
set 17
Rejeição
Mentiria se dissesse que tua recusa me é indolor;
Que a frialdade de tuas missivas não me enregela;
Que teu desdém não me afoga em vagas de procela;
Que meu rosto irado e triste não evanesce em rubor.
Jamais direi que de teu louvor não necessito,
Que teu aplauso não incensa meus sonhos,
Que não arde o meu velho coração bisonho,
Que não me prostro em inerme adoração ao mito.
Abanas-me como a incômodo inseto;
Humilhas-me enquanto manténs secreto
O motivo pérfido por que me ignoras:
Desdém, calúnia e tripúdio,
Tríade em promíscuo conúbio,
Que me tortura no correr das horas!
ago 24
O Assunto
Que assunto deseja o bestunto
No festim das mesas de botequim?
Quimeras nas salas de espera,
Verdades tíbias que derretem nas mídias
E fedem.
Do assunto festejam as mídias
As tíbias quimeras das mesas de botequim,
Enquanto esperas, bestunto, no festim das salas,
Verdades que fedem do que desejas
E derretem.
E enquanto tíbio esperas bestunto na mesa
Quimeras que fedem ao festim da mídia –
Verdades de botequim –
Derretem nas salas
O assunto.
Da mídia nas mesas das salas
Esperas festim de verdades bestuntas –
Assuntos para o botequim –
Fétidas, derretidas, tíbias,
Quimeras.
ago 19
Tímidos introversos
Um viva a nós, os tímidos, os introvertidos!
Mas um viva silencioso, discreto, sem espalhafato:
Um viva de olhares de esguelha e meios sorrisos de comissura;
Um viva sem fogos, brindes, aplausos ou gritos;
Um viva de olhar submerso no fundo do copo;
Um viva invisível ouvido no íntimo;
Um viva oculto, tímido, introverso;
Mas, assim mesmo, um viva,
Pois, assim mesmo, bem viva,
Pois, assim mesmo, Deus nos fez
Vida: viva!
jul 27
Quando paro de procurar
Eis que tudo se torna
sensivelmente mais fácil
quando cesso a caça
por aplauso e riso;
e – observe a coincidência! –
eis que eles surgem,
sibilantes consequências
do que faço e penso
sem ao que ao menos pense nisso!
jul 23
… ao Brasileiro!
Brasileiro, ergue por um átimo tuas ventas
do pó ao qual retornarás,
Lança ao fogo do esquecimento
as mazelas nacionais,
as lamentações infindas,
Finge – isto que fazes tão bem!
– não afligir-se da sobrevivência,
O alimento em grande estoque, as contas pagas,
corpo nutrido em abundância,
conforto e exuberância,
ostentação e luxo, tudo isto
Finge já os possuir e, ao espelho, indaga
com o ar de enfado dos bem nascidos:
– Que faço agora que de nada
mais posso me queixar?
Responde. E faze-o.
Eleva tua alma, brasileiro;
Ausculta a música da eternidade,
Extasia-te no ouzo das letras do universo,
Deságua lágrimas n’airosas visagens:
Das procelas econômicas, poesia;
Das insídias governamentais, peças de teatro;
Das misérias sociais, venustas paisagens;
Das almas corruptas, contos de virtudes,
Romances de valores, poemas heroicos
E quadrinhos de super-heróis.
jul 19
Erros
Elas mesmas que bafejam
aragens de eufemismos
insinuando os erros próprios;
Elas mesmas que trovejam
Tumultuosas tormentas
tonitruando os teus!
jul 19
Gonçalves Dias
Tua terra tem mil coisas
de que não podes te orgulhar,
Ou foste tu que ensinastes
às aves, o gorjeio,
ou o canto, ao sabiá?
Ou com tuas mãos plantastes
As palmeiras ou, nas várzeas,
As flores;
Ou, no céu, engastastes
As estrelas,
Ou, nos bosques, as tais vidas –
Ou, nas vidas,
Tais amores?
Gonçalves Dias,
Teu prazer com tais primores,
Ao mundo não aproveitará;
Dos desfrutes teus,
Das arredias e noturnas cismas tuas,
Permite, sim, a morte, Deus;
Imortais apenas as canções
que no exílio da alma compuseste:
Todas muito mais belas
do que o canto do sabiá.
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