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out 03
O Gato sonha com o gordo Rato,
O Rato sonha espancar o Gato.
O Gato sonha com o fresco Peixe,
O Peixe sonha que no mar lhe deixe.
O Gato sonha com filé no prato,
Roubar-lhe sonha o desgostoso Rato.
O Gato sonha do Peixe o aroma,
O Peixe sonha que ele não lhe coma.
Gato, Rato, Peixe, à espera
Do fim na grande cratera:
Sonhos de infindas delícias!
Predadores, presas, todos toleram
À sua moda a violenta e austera
Natureza, a vida e suas sevícias.
set 23
Corações translacionantes as trigueiras faces
Emudecem.
Os rostos estranhos estando tão baços
Enrubescem.
Os róseos roçares das redes neuronais
Entrelaçam.
Sutis e táteis contatos furtivos, intencionais,
Espicaçam.
Sinais e sintomas sintáticos e sinápticos
Estremecem.
Braços enlaces sobejos contatos
Enternecem.
ago 09
Campo aberto, noite estrelada
Põe-se a pensar o velho
Homem.
No grande mundo,
Entre rosas e narcisos,
Veio tu, ó belo lírio, a
Essa dança desgostosa.
Já não sabes ao certo,
Por ter a via deixado,
O que irás ganhar,
A palma da vitória
Ou o fogo da derrota.
Ó lírio, que fazes?
Sonhas ainda com um
Mundo de glória?
Acorda bela flor, estás secando,
Logo te levará o sopro
Do vento.
Acorda agora!
Para de sonhar!
É o tempo oportuno,
É tempo de lutar.
Autor: Guilherme Munhoz Haveroth, 13 anos.
jul 11
De mitômanos arrodeados –
Qual de gregos os muros de Troia –
Fustigados por todos os lados,
Impenetráveis à paranoia:
Os aletômanos e aletófilos
Forjam espadas dos argumentos
Contra os sofismas mais estrambólicos
Qu’em cavalgada parem tormentos.
À carga! Velhacarias e memes,
Chovem setas, dardos de fake news*:
Nenhuma patifaria temem
Os que à Verdade encaram nus!
Aríetes humanos deveras
Remartelamos com nossos cérebros
O que se olvidaram nestas terras
Os que fazem da Razão um féretro!
Contra as massas de mentes estultas
Embebidas da mentira o heléboro
Nossas palavras são catapultas
O elixir que as salvará do Érebo!
Mas como a Verdade menoscabam,
E a toda Ciência prostituem,
E a toda Razão já destroçaram,
E toda malvadeza instituem,
Não há perspectiva de paz
Em qualquer direção no horizonte
Porquanto um bombardeio de “mas” –
Óbolos à bolsa de Caronte! –
Escudará os peitos refratários
À oferta de luzes do Ocidente:
Cedem suas almas aos sicários
Do vírus pulmonar do Oriente.
* Pronuncie “feicnuls”, não “feikinils”.
jun 27
Penso, digo, ajo:
Separo;
Palavras na fenda, ágil,
Disparo.
Gelo*, líquido e ardo:
Na fugacidade do espaço;
Na fuga da cidade, parto
Esperas em pedaços.
Penso, sinto, faço:
Preparo;
Faço-o pensar: “tão fácil”
Que avaro!
Apresso-me, corro, tardo:
O pão que amasso;
Estresso-me, morro, fardo
O amor do abraço.
Forte, sensível, frágil:
Preclaro;
Religo, desvelo o mágico
Anteparo.
Voo, deslizo, caio:
Abalo;
No solo o sangue: saio
E calo.
* Pronuncie “gélo”.
maio 25
Febris, os dedos do jardineiro louco
Semeiam hordas, vis, incivilizadas;
O solo rega com sangue sobre os ouros
Rúbio incêndio que perfaz, de tudo, nadas.
Entre sedosas multicolores goivas
Rugem coturnos: eis que lá vêm os godos!
Com beijo fátuo anunciam os sândalos
Outra investida de Genserico Vândalo.
O povo dança; nos cabelos, camélias;
Rendem seus louros aos louros da Suécia.
Buquês, coroas, de alvas margaridas
Enfeitadas, saúdam os teutonidas.
De vida efêmera similar a lírios,
Perece a pátria, ferida de aço sírio.
Canoro fumo d’eflúvias alfazemas
Envolve as velas da frota sarracena.
Segamos vivos ramos de violetas,
Cegamos, frios, às mortes violentas,
Nação defunta; ó aroma dos cravos:
Visão profunda de uma Roma de escravos!
jan 30
“Mas que dia desprazerosamente frio!”,
Exclama o Duque do Sol Escaldante,
O corpo teso tomado de arrepios,
No alto da Torre do Castelo Flamejante:
“Que seria do mundo sem a carícia
Das brasas celestes que a vida alimenta
Das brisas silvestres que bradam noviças
O poder infinito que os corpos ferventa”.
“Mas que desagradável quentura!”,
Sussurra o Duque do Frio Glacial,
O corpo ressudado em cada comissura,
Nos subterrâneos do Castelo Invernal:
“Ah, que os glaciares redentores
Se desprendessem do frígido Sul,
E refrescassem estes calores,
Devolvendo ao mundo o seu azul!”
“Mas que dia delicioso!”,
Gargalha a Duquesa do Aço,
No corpo um frêmito voluptuoso
Enquanto brada agitando os braços:
“No calor que o metal liquefaz,
Ou no frio que o enrijece,
O Aço secciona a Paz,
E de sangue terei a messe!”
“Eis, enfim, um dia perfeito!”,
Proclama o rei na Sala do Trono,
No majestático direito,
De todos induzir ao Sono:
“Nem quente, nem frio: morno!
Em minhas terras subtropicais!
Governo a todos em meu entorno!
E desta vida nada quero mais!”
E assim se eleva no horizonte
Estrela rubra, fulgurante –
Prepara os remos, ó Caronte:
Pois a guerra chegará num instante!
jan 10
Meu amigo, o poeta carioca vascaíno Vinícius Lopes Santa Rosa, publicou em seu perfil no Facebook um curto poema sobre o Brasil. Decidi responder de forma bem-humorada, em versos. Seguiu-se um divertido “duelo poético” na seção de comentários do poema original, que reproduzo a seguir, com autorização expressa do Vinícius. A intenção, obviamente despretensiosa, era nos divertir e exercitar a expressão de ideias em linguagem poética.
Ó terra,
Ó terra Brasilis, quanto de teu mal
Não são virtudes de carnaval?
Vale a pena? Nada vale a pena,
Quando a carne não é pequena.
Brasil, do meu arrebol,
De teus males, quantos advêm
De teu amor pelo futebol?
Ó compatrício
Patrício, quanto de teu asco
É de frustração com nosso Vasco?
Deixai de lado teu furor e tédio
Para que manumite o ludopédio!
Ensurdecido e cego
Pelo brilho da bola
Embravecido negas
Quão dementes e tolas
Qual cabeças de prego
Os debates que rolam:
Envaidecidos egos
Esquecida gaiola
Na ardente refrega
Das correntes argolas.
Nada nego disso dito.
Contrário! Tudo endosso!
Contudo, de outra digo.
D’além do cárcere nosso!
Falas de tempo estulto.
Eu já não trato de razão!
Clareias o ato inculto.
Eu escancaro a paixão!
“Tudo ou nada” pergunto.
Faço três vezes “Casaca”!
Com essa turma me junto.
Breve tempo de fuzarca!
Vasco!
Vasco!
Vasco!
Se a bola discutes
Pela paixão
Teus pensamentos são chutes
Perdeste a razão!
Quem ama um escudo de time —
Empresa privada com fins lucrativos —
Perdoa em seu nome um crime
Contra a pátria de que somos nativos!
Discussão é treino;
O raciocínio, o reino
De serenidade;
O futebol, paradigma
De tudo o que indigna
A racionalidade!
Provastes teu argumento.
Mas o que faço eu com a bola?
Culpado! Confesso!
Sem rima! Sem verso!
Dos chutes não meço!
Mas crimes despeço
A imputação! Cesso!
Triste tua constatação!
Cravastes mais ainda
O punhal de tua razão!
Dó! Dó de tu e de tua
Tão certeza! Crua e nua!
Só! Tu que flutuas
Em tristeza!
Bola que rola na rua!
Dá Beleza!
Dá um tanto de imaginação
Qual pulsa imortal paixão.
nov 22
Soerguendo-se no verde caos da floresta
O imponente tronco carcomido,
Eloquente testemunho da glória de tempos esquecidos,
Do velho pinheiro entoa o que de voz ainda lhe resta.
Em tom terrível o tétrico tronco admoesta
Os pecados que se alastram nos ganidos
Dos seres que em passos desmedidos
Dançam a seus pés a vida em festa.
Dos ramos ancestrais inda descaem pinhas
Que no solo árido rochoso estalam;
Alguns, aqui e ali, a esterilidade abalam,
E germinam, e brotam, e crescem, vencendo rinhas.
Nenhum tão profundamente se enraíza,
Porém, como o velho pinheiro:
Das raízes fazem pernas e por quaisquer dinheiros
Logo largam o solo e seguem enganosas brisas.
De suas pernas fazem naus e vão singrar as vagas fúrias
Deslumbrados com a leveza em que flutuam:
Até que os vagos movimentos que insinuam
Naufragam ambições, cobiças e luxúrias.
Mas não aprendem da nefasta experiência
Os deveres, os cuidados, o respeito venerando,
Que mesmo em dias de aprazíveis ventos brandos,
Exige o mar dos que lhe têm Ciência.
Não! Ao velho pinheiro toda a culpa cabe
De cada sofrência e desdita,
De toda dor que palpita,
No que ignora o que sabe.
Arremedando medrosamente o matusalênico mestre
Os pinheirinhos verdolengos
Germinam mentirinhas molengas
E não dizem coisa que preste.
A voz do velho pinheiro na floresta tonitrua,
Troa, troveja, atormenta;
E os pinheirinhos não aguentam,
O desfile de sua burrice, à vista de todos, nua!
Conjuram nuvens de cupins,
Esquadrilhas de pica-paus,
Gralhas e bacuraus,
E criaturas afins.
O velho pinheiro, sobranceiro, de tudo ri-se faceiro,
A tudo afasta sem recato:
Tudo se vai na corrente do regato
E ele segue, invicto, no topo do outeiro.