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jun 07
Musculatura rija e tesa
N’água azul de cloro
Exsuda nos poros
Coreografada beleza!
À música, eis que elas sorriem:
Graça gestual
Afogo feral
Que aplausos mil lhes angariem!
As divinas musas do esporte
De rostos submersos
E pés ao universo:
Que o ouro no seio as conforte!
Duas vidas de treino e dor
São sincronizadas
E movem-se aladas
Em nome da pátria e do amor!
Essas mulheres exemplares
Que honram as famílias
Orgulhosas filhas
Do amor ao país em seus lares!
maio 23
No papel de seda
Dedos de seda
Palavras de seda
Escreve.
A pele trêmula
Em verbos trêmulos
De sonidos tremolos
Embebe-se.
Sente-se frágil
E a letra frágil
No verso frágil
Derrete-se.
No braço, o arrepio
Da nuca, o arrepio
Estrofe, num arrepio,
Emerge.
De cristal, um estilhaço
No seio, o estilhaço
Em poema, estilhaço,
Enternece.
Sólita, a pluma,
Leve, a pluma,
Roça, a pluma,
E enlouquece.
Poetisa, romântica,
Delicada, romântica,
Delira, romântica,
Envaidece-se.
maio 23
Dream Land (Christina Rossetti) |
Terra Onírica (Trad. Alexei Gonçalves de Oliveira) |
Where sunless rivers weep Their waves into the deep, She sleeps a charmed sleep: Awake her not. Led by a single star, She came from very far To seek where shadows are Her pleasant lot. |
Lá onde choram os rios obscuros Ondulantes profundos e puros Ela dorme um sono conjuro: Não a desperteis! Por solitária estrela-guia Que ao longe ela via Em busca das sombras, ia Ao lote dos reis! |
She left the rosy morn, She left the fields of corn, For twilight cold and lorn And water springs. Through sleep, as through a veil, She sees the sky look pale, And hears the nightingale That sadly sings. |
Deixou a rósea aurora, Deixou dos campos a flora, Pelo arrebol foi embora Rumo às águas correntes. Fura o sono como um véu, Mirando o pálido céu, Ouvindo o canto de mel Do rouxinol penitente. |
Rest, rest, a perfect rest Shed over brow and breast; Her face is toward the west, The purple land. She cannot see the grain Ripening on hill and plain; She cannot feel the rain Upon her hand. |
Pousa e um repouso perfeito Derrama-se da testa ao peito; Ao oeste, o rosto satisfeito Na terra roxa. Não pode ver o grão Maduro sobre o chão; Nem mesmo em sua mão Que a chuva afrouxa. |
Rest, rest, for evermore Upon a mossy shore; Rest, rest at the heart’s core Till time shall cease: Sleep that no pain shall wake; Night that no morn shall break Till joy shall overtake Her perfect peace. |
Pousa e repousa, eterno desmaio Sobre o limo da praia; Pousa e repousa no cór junto à raia Até que o tempo cesse: Um sono sem dor que o desperte; Noite sem choro que a aperte Até que o gozo em seu corpo inerte A paz perfeita floresce. |
maio 17
Largai-me na masmorra mais profunda, nas entranhas do planeta,
E minha voz penetrará vossos ouvidos
Sussurrante em cada brisa. Serei ouvido
No farfalhar das folhas de papel em que a tinta de vossa caneta
Registrará minha sentença.
Cortai minha cabeça e servi-a a vossa amante num prato:
Ouvir-me-eis no zumbido dos insetos,
No borbulhar do espumante premiado, infecto,
No roçar dos talheres de prata
Na carne da lagosta, rosácea e densa.
Sepultai meu corpo e, nas frinchas das paredes, escutai:
Minha língua incorpórea ainda fala, barítona,
De vossas culpas e sofismas, epítome,
De vossas blasfêmias, ai
De vós, raça de víboras – eis a cruz de vossa descrença!
Nas dobras de vossas togas, nos fios de vossas barbas,
Nos nós de vossas gravatas,
Nas mesas de aristocratas,
Nas camas que vos enfartam,
Minha voz dirá – Culpado! – até que as almas se convençam!
fev 25
Fumos aromáticos
Tua pele exala;
Sensos matemáticos
Minha mente cala.
Curvas concordantes
Tácteis, geométricas,
Olhares secantes
Nus trigonométricos.
Dedos aritméticos
Rodeiam, circundam,
Contando algébricos
Suspiros profundos.
Eros logarítmico,
Rubor cotangente:
Equaciona, rítmico,
O trincar de dentes.
fev 23
She walks in beauty– George Gordon, Lord Byron |
Caminha como a noite, bela–Tradução por Alexei Gonçalves de Oliveira |
She walks in beauty, like the night Of cloudless climes and starry skies; And all that’s best of dark and bright Meet in her aspect and her eyes: Thus mellowed to that tender light Which heaven to gaudy day denies. |
Caminha como a noite, bela, De anúbios climas, de ástreos céus; Melhor de treva e brilho, nela, Unem-se no rosto e olhos seus: Mescla-te à terna luz, donzela, Que o dia fútil deixa ao léu. |
One shade the more, one ray the less, Had half impaired the nameless grace Which waves in every raven tress, Or softly lightens o’er her face; Where thoughts serenely sweet express How pure, how dear their dwelling place. |
U’a sombra a mais, um raio abaixo, Aleijaria a infinda graça Ondulada em corvídeos cachos Ou que alumia suave os traços Onde serenamente achas Morada para o que te abraças. |
And on that cheek, and o’er that brow, So soft, so calm, yet eloquent, The smiles that win, the tints that glow, But tell of days in goodness spent, A mind at peace with all below, A heart whose love is innocent! |
Nas bochechas e nos sobrolhos Suavidade calma, eloquente, Sorri e vence, e pinta aos olhos, Dias bem vívidos e quentes, A mente em paz co’o que acolhe, Coração que ama inocente! |
jan 28
No tempo em que a eternidade no berço inda vagia
A Fortuna, essa bruxa rancorosa,
No jardim das rosas da Vida
Alcovitou o amor do Enfado com a Vacuidade.
Desse encontro fátuo de uma noite sem amor
De prazer e desprezo,
Nasce órfã de si mesma uma bela nova deusa.
Faminta pelo amor do pai, eterno insatisfeito,
Multiplica as faces, cores, peles e cabelos;
Vestes e calçados e ornamentos a cada olhar transmudam-se;
Sua voz, Música de mil ritmos, melodias e harmonias,
Mal se ouve, já ao vento se desfaz.
Seus lares estão em toda parte,
Do litorais às montanhas, das ilhas aos continentes,
Das florestas aos desertos, dos pântanos às savanas –
E em nenhum deles ela mora,
Pois ao relento, catatônica, devaneia e sonha,
E arquiteta o próximo projeto.
Seus pés navegam pelos ventos
Suspensa pelas asas da Insegurança.
Seus amores não perduram por mais de um segundo…
Seus beijos roçam sem tocar os pretendentes
Provocando insensíveis arrepios de desejo irrefreável.
Correndo, voando, mais célere do que o Amor das
Multidões que se arrastam a beijar seus passos,
Ela, muda, sorri, e transmuda-se novamente,
E ainda mais uma vez.
Feiticeira cruel, dominadora impiedosa,
A mais jovem das deusas pagãs
– Seu nome? Moda! –
Subjuga, escraviza, tortura, domina,
Mas, enlouquecida, não conquista
Sequer um sorriso,
Ou um gesto de carinho,
De seu pai.
dez 31
Hoje é o aniversário do Tempo:
Primicério da existência
Impera sobre a florescência
E toda juvenília
O seu toque encarquilha.
Ao roçar de uma pena em provectos incunábulos
Grava num retábulo
O que fizeste em párvulos
Instantes pretéritos imberbes
E, neles, te embebes,
Tu que ora te cognominas
Barbaças macróbio
Decano cenóbio
Com alma de menino.
No aniversário do Tempo
Cede a vez o juvenescente
Ao senescente;
O exubério
Ao climatério:
À cuna torna o patriarca
Cujo túmulo demarca
E no bibeiro embriaga
Com o leite da canície
As lembranças aziagas
Dos anos de puerícia.
Hoje, aniversário do Tempo,
Abre tuas portas à anciania
E nada temas da caducidade:
Pois conheceste a meninia
E as dores da mocidade;
Os babadores e cueiros,
Suas formas, cores e cheiros,
Não te trazem novidade,
E toda vida é uma vela
De procissão em mãos pucelas:
Conquanto dure até o sênio,
Cedo livre do proscênio
Teu nome é sol-posto
Que não mais sorri nos rostos.
nov 14
Íris cerúleas –
Iridescentes –
Perscrutam-me as veras:
Estanciadas borbulhas
Descrentes
Por tantas esperas.
Melífluos capilares –
Enredantes –
Soçobram-me as dores:
Profundas, alvares,
Errantes,
No Mar de Rigores.
Fronte alviderme –
Alabastrina –
Sorri-me aljofarada:
Prisioneiro inerme –
Desatino! –
Pelo toque de fada.
Voz septíssona –
Policrômica –
Entoa, metódica:
Olvido o barítono,
Atônito,
Acorde monódico.
out 30
Escrevi a suíte de poemas abaixo em algum momento do final da década de 1980 e passei-o a limpo em 1997. A intenção foi reproduzir o estilo do “Tao Te King”, de Lao Tsé, na tradução de Pedro Tornaghi, para expressar valores e símbolos ocidentais. O comprimento dos versos foi planejado para que, numa diagramação centralizada, sugerisse a forma de ideogramas e, no conjunto, uma grande coluna ornamentada.
Liberdade, o supremo bem:
A donzela a ser protegida das violações dos bárbaros.
Amor, o supremo sentimento:
Amor a si mesmo, amor à humanidade,
Amor ao vil e ao virtuoso.
Lealdade, o supremo valor:
Leal aos próprios ideais, à própria palavra,
Leal aos amigos e aos adversários.
Verdade, o supremo compromisso:
Verdadeiro em tudo o que faz, em tudo o que diz,
Verdadeiro em tudo o que sente.
Justiça, o supremo objetivo:
Justo, não poupa o rigor aos amigos,
Justo, não nega misericórdia aos inimigos.
Humildade, a suprema virtude:
Humilde, reconhece os erros e os assume em suas conseqüências,
Humilde, celebra as vitórias sem orgulho.
Honra, a suprema recompensa,
Do cavaleiro que se assentar sobre os sete pilares.
Liberdade, amor, lealdade,
Verdade, Justiça, Humildade e
Honra, o sétimo dos sete pilares.
Juro defender em meu coração
Com minha própria vida
Em nome de Deus, Todo Poderoso,
Até o fim de meus dias.
Livre é o cavaleiro
Porque livre é seu coração.
Livres são todos os que o rodeiam.
A boa luta do cavaleiro é a luta da liberdade.
Não haverá recanto do mundo por mais longínquo
Em que o forte oprima e abuse do fraco
Sem que sangre o coração do cavaleiro.
O bom cavaleiro sabe amar
Com pureza no coração.
Ama sem pedir retorno
A todos indistintamente.
Não deixa de lutar a boa luta
Mas não deixa de amar.
O cavaleiro ama porque ama o amor.
Não há vento, fogo, espada ou vaga
Que faça o cavaleiro recuar de sua palavra.
Não há inimigo que o cavaleiro
Não ouse encarar de frente.
O cavaleiro é leal.
Prefere, antes, a morte inglória
À traição.
O cavaleiro mira-se no espelho
E só vê a verdade de si mesmo.
Verdadeiro, não mente jamais,
Mesmo que a mentira ofereça maior vantagem.
O cavaleiro é transparente, cristalino.
Não há duas palavras, somente uma: a verdadeira.
A verdade é o peso e a medida do cavaleiro.
Porque verdadeiro o cavaleiro é justo.
Pune na proporção das faltas,
Recompensa na proporção do bem realizado.
Em sua Justiça, não vê amigos nem inimigos.
Porém a justiça do cavaleiro não oprime.
Pois a recompensa do justo é a sua Liberdade
E o injusto encarcera-se a si próprio.
O cavaleiro não se vangloria: resigna-se à vitória,
Resigna-se à derrota.
Resigna-se ao aprendizado da Justiça,
a Justiça da vitória e a Justiça da derrota.
Humilde, ele derrota o orgulho da vitória.
Humilde, ele vence o amargor da derrota.
O cavaleiro sabe que tudo é transitório.
A honra do cavaleiro é a obediência
Aos seis pilares anteriores.
A honra é o sétimo pilar
Sustentado pelos outros seis.
A honra é o pilar que sustenta
A própria existência do cavaleiro.
O cavaleiro é a sua própria honra.