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Um sonho de rei

De um sonho de rei em seu trono assentado
A bobo da corte deixado de lado:
As plantas dos pés dilaceram espinhos
De sangue umedecem o pó do caminho.

Frustrado desejo em ferro algemado
Incita inclemente famélicos brados:
Sufocam-se mudos num redemoinho
De brasas que crestam sudários de linho.

Das lágrimas, do suor da meia-noite,
Feridas lancinam as dores do açoite
Inclemente, descartado à própria sorte.

Amanhece a esperança cruel, tão forte,
Mas não permito que o coração se afoite
Pois traz nos ombros de ceifeira a foice.

Imensidade

Solitário no deserto imenso,
Amiúde, na diminitude
de minha urbe, faço-me mudo
Relicário indesperto; penso
Na grandeza de infinitas neves,
Nos ferozes majestosos ventos:
Atrozes, horrorosos eventos
Na baixeza destas vidas breves.

Foto de Jade Lyf - Publicada sob permissão - Todos os direitos reservados.

Foto de Jade Lyf – Publicada sob permissão – Todos os direitos reservados.

Na imensidade somos minúsculas
Partículas de uma vontade
Inconcebível, até que tarde
Demais, no minuto do crepúsculo,
Fatalidades imprevisíveis
Como fátuos vestidos de gaze
Beijam o fado e à tona trazem
Debilidades dos infelizes.

(inspirado na foto)

O Gato, o Rato e o Peixe

O Gato sonha com o gordo Rato,
O Rato sonha espancar o Gato.
O Gato sonha com o fresco Peixe,
O Peixe sonha que no mar lhe deixe.

O Gato sonha com filé no prato,
Roubar-lhe sonha o desgostoso Rato.
O Gato sonha do Peixe o aroma,
O Peixe sonha que ele não lhe coma.

Gato, Rato, Peixe, à espera
Do fim na grande cratera:
Sonhos de infindas delícias!

Predadores, presas, todos toleram
À sua moda a violenta e austera
Natureza, a vida e suas sevícias.

A Vida – Guilherme Munhoz Haveroth

Campo aberto, noite estrelada
Põe-se a pensar o velho
Homem.

No grande mundo,
Entre rosas e narcisos,
Veio tu, ó belo lírio, a
Essa dança desgostosa.

Já não sabes ao certo,
Por ter a via deixado,
O que irás ganhar,
A palma da vitória
Ou o fogo da derrota.

Ó lírio, que fazes?
Sonhas ainda com um
Mundo de glória?
Acorda bela flor, estás secando,
Logo te levará o sopro
Do vento.

Acorda agora!
Para de sonhar!
É o tempo oportuno,
É tempo de lutar.

Autor: Guilherme Munhoz Haveroth, 13 anos.

Vida Tercina

Penso, digo, ajo:
Separo;
Palavras na fenda, ágil,
Disparo.

Gelo*, líquido e ardo:
Na fugacidade do espaço;
Na fuga da cidade, parto
Esperas em pedaços.

Penso, sinto, faço:
Preparo;
Faço-o pensar: “tão fácil”
Que avaro!

Apresso-me, corro, tardo:
O pão que amasso;
Estresso-me, morro, fardo
O amor do abraço.

Forte, sensível, frágil:
Preclaro;
Religo, desvelo o mágico
Anteparo.

Voo, deslizo, caio:
Abalo;
No solo o sangue: saio
E calo.


* Pronuncie “gélo”.

Sorte e Providência

Digo “boa sorte”,
Intento indiferença
Pois, Cristão, não sei a sorte:
Só a Providência.

Versão em espanhol por Catherine Espinoza:

Digo “buena suerte”,
Intento indiferencia
Ya que, Cristiano, no sé la suerte:
Sólo la Providencia.

O aniversário do Tempo (poema de Ano Novo)

Hoje é o aniversário do Tempo:
Primicério da existência
Impera sobre a florescência
E toda juvenília
O seu toque encarquilha.
Ao roçar de uma pena em provectos incunábulos
Grava num retábulo
O que fizeste em párvulos
Instantes pretéritos imberbes
E, neles, te embebes,
Tu que ora te cognominas
Barbaças macróbio
Decano cenóbio
Com alma de menino.

No aniversário do Tempo
Cede a vez o juvenescente
Ao senescente;
O exubério
Ao climatério:
À cuna torna o patriarca
Cujo túmulo demarca
E no bibeiro embriaga
Com o leite da canície
As lembranças aziagas
Dos anos de puerícia.

Hoje, aniversário do Tempo,
Abre tuas portas à anciania
E nada temas da caducidade:
Pois conheceste a meninia
E as dores da mocidade;
Os babadores e cueiros,
Suas formas, cores e cheiros,
Não te trazem novidade,
E toda vida é uma vela
De procissão em mãos pucelas:
Conquanto dure até o sênio,
Cedo livre do proscênio
Teu nome é sol-posto
Que não mais sorri nos rostos.

Esperança

Sentimento, o que transborda e se derrama
Em vinho amargo – fazes de mim tão vivo! –
Nos sonhos acres de meu peito em chamas
À presença do andar altivo
Da Esperança em passos largos, incompatíveis
Com a leveza que se espera de uma dama:
Teus saltos finos se disjuntam nos desníveis
Da estrada espúria alicerçada em lama.

Sentimentos de sucedâneos desprovidos
Sucedem-se, sentidos desalentos
Acasalam-se, e parem mil rebentos,
E povoam o poético espírito falido.
Mas a aurora eleva e renova a alvura
Da paisagem inóspita da vida:
A Esperança novamente desabrida
O véu do abatimento com as mãos perfura.

Montanha

Dos ventos e dos tempos às vicissitudes
Ela dedica indiferença sobranceira…
Assurgente vértice vivo da fronteira
Donde descaem alvos fumos nos taludes…

Escalo as encostas frias e amiúde
Falseiam-me os pés, rolo pelas ribanceiras:
Arrastado por avalanches financeiras,
Inda assim não faço de mim um Robin Hood.

Se do sucesso a prata não é atestado
É nas escolhas que se demonstra honrado
O homem que se desprende do alfeizar

E em queda livre sucumbe aos pés do Estado
E nas planícies plana aos ventos de tornados
E das depressões decola, e aprende a voar!

Cidade

Árvores ardem
Retortas raízes
Solo salino
Dentadas dendrias
Ramos raivosos
Troncos trançados
Mordentes muralhas
Flamante floresta!

Estático estuque
Concreto cretáceo
Líquor limoso
Metálico metro
Asmático asfalto
Fumígena flora
Decora devora
Cinérea cidade!

Túmulo túrgido
Ímpia ínfima
Via vital
Frágeis frêmitos
Diversões desvalidas
Ominosos ônibus
Criminosos cremam
Húbris urbana!

Poemas