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Andrômeda

Andrômeda à rocha acorrentada
Esgazeia e grita, sente o bafo
De Poseidon; o monstro a farrapos
Reduz-lhe a vontade enquanto nada.

Estrondeantes os pés do monstro
Já os sentes cavalgando as pedras:
Ó, Andrômeda, por que te perdes
Nos pensamentos que mais te assombram?

Rembrandt: Andrômeda acorrentada às rochas.

Rembrandt: Andrômeda acorrentada às rochas. Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/89/Rembrandt_Harmensz._van_Rijn_011.jpg

 

Andrômeda, não há mais Perseu,
Que empunhe da Górgona a fronte,
Que de tua sina seque a fonte;

Não há correntes, nem a Caronte,
Pagarás o óbolo, se a ponte
Para o Céu implorares a Deus.

As mãos e o povo

A mão Esquerda furta e trapaceia
Quer ser de ferro, lúbrica e fatal;
Mão do desterro, célebre no mal,
De desespero, trai-nos em sua teia.

A mão Direita, cobra sorrateira,
Da Liberdade quer ser a fiscal;
Da santidade a única e final
Embaixadora, última e primeira.

No centro, a voz agônica do povo
Eleva aos céus sua fé no amor de Deus;
Clama e pranteia, em chamas, por um novo

Porvir brilhante e próspero pros seus,
De leite e mel, liberto, sem estorvo:
Mas o Centrão só quer não mais ser réu!

O Gato, o Rato e o Peixe

O Gato sonha com o gordo Rato,
O Rato sonha espancar o Gato.
O Gato sonha com o fresco Peixe,
O Peixe sonha que no mar lhe deixe.

O Gato sonha com filé no prato,
Roubar-lhe sonha o desgostoso Rato.
O Gato sonha do Peixe o aroma,
O Peixe sonha que ele não lhe coma.

Gato, Rato, Peixe, à espera
Do fim na grande cratera:
Sonhos de infindas delícias!

Predadores, presas, todos toleram
À sua moda a violenta e austera
Natureza, a vida e suas sevícias.

Trigais

A Alphonsus de Guimaraens

Ó trigais das nuvens castas
Em que cintilam meus amores:
Sua sombra ao solo me devasta
Banha-me os dias em terrores;

Vontade minha que se empasta
Fundindo em cinzas minhas cores:
Meu peito implora e grita um “Basta!
Não mais sonhos sem sabores!”

Mas das castas nuvens os trigais
Que em terrores banham-me o dia
Ignoram altivos os meus ais,

Empastam-me o choro nas cores do solo;
Fundem terrores; com lâmina fria
Retalham a esperança que trago no colo.

Aristodemo

A tua mentalidade aristocrática
Faz-te julgar-te acima de toda crítica,
Mas se és raio da roda da política
Sob ofensas pagarás por tuas práticas.

Sou cidadão; minha raiva é matemática;
Pago impostos, sigo leis; a rosa mística
De tuas decisões – obras cabalísticas –
Desperta a ira, logo, xingo-a, enfático!

Na democracia, não há cidadão
Especial; todo cargo, um favor
Temporário, precário; um galardão

Perdido nos ventos que mudam o humor
Expresso no feroz, cruel palavrão
Que te dirige o soberano eleitor!

Montanha

Dos ventos e dos tempos às vicissitudes
Ela dedica indiferença sobranceira…
Assurgente vértice vivo da fronteira
Donde descaem alvos fumos nos taludes…

Escalo as encostas frias e amiúde
Falseiam-me os pés, rolo pelas ribanceiras:
Arrastado por avalanches financeiras,
Inda assim não faço de mim um Robin Hood.

Se do sucesso a prata não é atestado
É nas escolhas que se demonstra honrado
O homem que se desprende do alfeizar

E em queda livre sucumbe aos pés do Estado
E nas planícies plana aos ventos de tornados
E das depressões decola, e aprende a voar!

Fobos

Improvável rebento de Amor e Guerra,
Elmo argênteo nos confins do pensamento
Aguilhoa a vontade, exacerba o lamento,
Até dos mais bravos a força soterra.

Granizo da mente, torpor inimigo,
Hesita o guerreiro de trêmula maça:
Pernas infirmes que os pés embaraçam
Apressam seus passos quedando ao jazigo.

No solo onde pisam sandálias de Fobos
Rapinam as areias abutres e lobos,
Regalam-se sádicos livres pendores;

Somente a Esperança opõe-lhe o escudo
E da Fé a lâmina pontiaguda
Derrota sua falange de dissabores.

Rejeição

Mentiria se dissesse que tua recusa me é indolor;
Que a frialdade de tuas missivas não me enregela;
Que teu desdém não me afoga em vagas de procela;
Que meu rosto irado e triste não evanesce em rubor.

Jamais direi que de teu louvor não necessito,
Que teu aplauso não incensa meus sonhos,
Que não arde o meu velho coração bisonho,
Que não me prostro em inerme adoração ao mito.

Abanas-me como a incômodo inseto;
Humilhas-me enquanto manténs secreto
O motivo pérfido por que me ignoras:

Desdém, calúnia e tripúdio,
Tríade em promíscuo conúbio,
Que me tortura no correr das horas!

Debate eleitoral na TV

Ele mente, tu mentes, eu não minto,
Debate sem debate, que teatro!
Na TV espolinhando-se os helmintos
Cínicos facínoras: candidatos!

Das perfídias e dantescas insídias
Cujos rostos mascaram-se em acrônimos;
As falsídias e andrôminas desídias
No eleitor provocam ânsia de vômito!

Ó destino que se augura ominoso
Aos que escolherem uma entre as raposas
Que os dentes cravarão em nossa carne:

Do poder ilusionista do marketing
Eleitoral, bico doce e voz acre,
Contra seus ardis: eleitores armem-se!

Radical (em queda) livre

Abrolhando de sementes viperinas,
Juventude em flor amara desabrocha:
Franzindo o cenho, intumescendo as narinas,
O que não destróis, sucumbe a teu deboche.

Entoas sério como solene jura
A radicalidade dos áureos tempos!
Render-se aos fatos, retruques ou censuras?
Nunca! Pois julgas domar moral e senso

Sob relho de mundana ideologia,
Castrando as massas, substituindo o povo
Pelos mais profanos absurdos critérios:

Genocidas recebem teus elogios,
Pervertidos exaltas sem dó ou nojo,
Só aos santos diriges teus vitupérios!

Poemas